Em um mundo onde a ciência avança felizmente a passos largos, ainda nos deparamos com certas resistências que parecem ancorar o potencial de descobertas revolucionárias. Especialmente no campo da saúde feminina, a maconha emerge como um tema de estudo promissor, embora frequentemente negligenciado devido a preconceitos enraizados e à desvalorização de pesquisas focadas em distúrbios ginecológicos. 

Vamos descobrir como essa planta, historicamente estigmatizada, está pavimentando o caminho para avanços significativos na ginecologia, prometendo uma nova era de tratamentos inovadores, mais eficazes, por meio de soluções menos invasivas e mais naturais para mulheres ao redor do mundo.

Ciência sem preconceitos

Um estudo recente trouxe visibilidade ao potencial terapêutico das raízes de Cannabis sativa, especialmente para distúrbios uterinos. A pesquisa pioneira aponta para uma revolução no manejo da dismenorreia, com a raiz de Cannabis (Cannabis sativa L.) surgindo como uma alternativa promissora e eficaz. Realizada no Médio Vale do São Francisco, a pesquisa enfatiza o valor da parte da planta frequentemente negligenciada, notável por sua concentração reduzida de canabinóides tradicionais, mas abundante em compostos com propriedades anti-inflamatórias e anti-asmáticas.

Se pensarmos bem, não é de se espantar que essa membrana de passagem, que faz a comunicação da planta com o mundo externo, seja ele terrestre ou aquático, fosse dotada de propriedades que também transmitisse cura. 

Este trabalho, fundamentado em conhecimentos etnofarmacológicos e na observação de práticas tradicionais em comunidades locais, destaca o potencial das raízes de Cannabis no tratamento da condição marcada por dores pélvicas intensas antes da menstruação. Os achados indicam que os extratos aquosos liofilizados das raízes podem proporcionar um alívio considerável, graças aos seus efeitos anti-inflamatórios e antiasmáticos expressivos.

Conhecimento ancestral sobre a maconha

A utilização de preparações das raízes por comunidades tradicionais, incluindo grupos indígenas, deixa notório a relevância de se unir a práticas milenares com a precisão da ciência contemporânea.

Os pesquisadores explicam que a dismenorreia primária, que está ligada à liberação de agentes pró-inflamatórios, pode ser tratada com decocções (uma espécie de infusão em soluções solventes) das raízes de Cannabis, segundo as  práticas locais, para combater inflamações, febres, infecções e dores. O estudo busca, portanto, validar e reforçar esses usos tradicionais e adaptá-los à prática cotidiana de tratamento. 

O foco da investigação é analisar a composição química dos extratos aquosos liofilizados das raízes de C. sativa (AqECsR) e examinar seus efeitos no alívio da dismenorreia em modelos animais femininos. Além disso, pretende-se explorar o potencial sinérgico desses extratos quando combinados com doses reduzidas de medicamentos convencionais para o tratamento da dismenorreia.

Os resultados iniciais sugerem uma eficácia notável do extrato, abrindo portas para abordagens terapêuticas inovadoras que poderiam reduzir a dependência de medicamentos convencionais em altas doses. O estudo ressalta a necessidade de investigar mais a fundo as propriedades menos conhecidas da Cannabis e promover um tratamento mais integrativo para a dismenorreia.

Papo com a especialista Dra. Mariana Prado

Dando um salto revolucionário na saúde feminina, batemos um papo com a Dra. Mariana Prado, ginecologista que está na vanguarda do uso da cannabis em tratamentos específicos para mulheres. Ela nos deu uma verdadeira aula sobre como essa planta está abrindo novos caminhos para aliviar dores e melhorar a qualidade de vida feminina.

A ginecologista e obstetra, Dra. Mariana Lemos Prado. l Imagem: Lucas Veloso/Acervo pessoal

Vem com a gente nessa conversa esclarecedora sobre a medicina canábica

Formada em Medicina pela instituição de Araguari (MG), o Instituto Master de Ensino Presidente Antônio Carlos (Imepac), e especializada em Ginecologia e Obstetrícia pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS), Mariana é uma voz ativa na luta pela descriminalização e regulamentação do uso medicinal da cannabis. Ela foca especialmente nos sintomas associados à menopausa, ao ciclo menstrual e às dores pélvicas crônicas. No espaço de atendimento da ginecologista de 30 anos, as discussões sobre raça e gênero ocupam um lugar central. Sendo uma das raras profissionais negras em sua área em São Paulo, ela se destaca por sua prática única de prescrever tratamentos à base de cannabis.

Essa jornada começou após um diálogo com uma amiga de longa data, também médica, que já trabalhava com a medicina canábica. Inspirada pelos estudos relacionados à ginecologia e ao potencial da cannabis, Mariana decidiu explorar profundamente o assunto. Comprometida com uma abordagem médica fundamentada em evidências, ela se dedicou a estudar o tema intensamente, participando de cursos de prescrição e revisando extensivamente a literatura científica disponível sobre os tratamentos.

A maconha como revolução na saúde feminina

“Estamos vendo benefícios reais em condições como síndrome pré-menstrual, endometriose, dor pélvica crônica e até na menopausa,” ela explica. Mas o que faz a cannabis ser tão especial? Segundo a Dra. Prado, tudo se resume aos compostos principais da planta, como o THC e o CBD, que batem um bolão com o sistema endocanabinoide do nosso corpo, ajudando a modular a dor, a inflamação e várias outras funções.

Ela destaca a endometriose como um exemplo perfeito. “A cannabis pode ser um alívio para a dor crônica e os espasmos musculares, sem os efeitos colaterais chatos de alguns medicamentos convencionais.” E o melhor? Como é uma medicina natural, dá para integrar a cannabis num plano de tratamento sob medida, considerando o que cada mulher precisa.

Sexo e a maconha

Quando o assunto é saúde sexual feminina, a cannabis também tem seu espaço. “Ela pode aumentar a sensibilidade e tornar o sexo mais prazeroso para algumas mulheres,” conta a Dra. Prado. Isso acontece porque a cannabis pode ajudar a relaxar e a se entregar ao momento. Enfatizando que os efeitos variam de pessoa para pessoa. “Tudo depende da dose, da cepa da cannabis e, claro, de  seu estado emocional.” 

Para mulheres que lidam com ansiedade e estresse, que são verdadeiros vilões da saúde sexual, a cannabis, especialmente as variedades ricas em CBD, pode ser uma grande aliada.

O uso da cannabis para opções de tratamento

Marina enfatiza a importância de uma conversa aberta e honesta sobre o uso da cannabis. “Avaliar os benefícios e riscos é crucial, assim como considerar outras opções de tratamento.” 

“Não existe uma solução única para todos. Cada mulher é única, e isso inclui seu histórico médico, condições pré-existentes e como ela reage à cannabis,” conclui a Dra. Prado.

 Esse cuidado individualizado é o que pode realmente fazer a diferença na vida das mulheres, abrindo portas para tratamentos mais eficazes e com menos efeitos colaterais.

Cannabis no ambiente médico

O movimento tem que vir principalmente dos profissionais de saúde, afirma Mariana, embora uma parcela significativa ainda hesite em aceitar a medicina alternativa, ou como ela prefere chamar, a medicina tratativa, que em muitos casos pode ser a opção primária de tratamento. “Parece que estamos sempre tentando abrir portas no Brasil com inovações que, na verdade, já são realidades há tempos em outros países”.

Outras mulheres, novos tratamentos com a maconha

Estudos pioneiros sobre o uso da cannabis para bem-estar e wellness têm sido notavelmente liderados por mulheres ao redor do mundo, marcando uma tendência inspirada na pesquisa e inovação neste campo. Mulheres empreendedoras, cientistas e ativistas estão na vanguarda, explorando as propriedades terapêuticas da cannabis e impulsionando a indústria para adoção de possibilidades em tratamentos,  com uma abordagem focada na saúde, sustentabilidade e beleza consciente.

Raízes e cuidados com a maconha

Jennifer Grant, fundadora da Empyri, com Raízes de Cannabis (Crédito: Foto Divulgação)

Uma dessas inovadoras é Jennifer Grant, fundadora e proprietária da Empyri, que escolheu a raiz da cannabis como o ingrediente principal para sua nova marca de cuidados com a pele. A escolha não foi aleatória; a raiz da cannabis tem sido utilizada por herbalistas, médicos e praticantes da Medicina Tradicional Chinesa por mais de mil anos, tratando uma variedade de doenças inflamatórias tanto de maneira tópica quanto interna. Este resgate histórico e cultural da cannabis, liderado por mulheres como Grant, destaca o potencial subutilizado da planta para além dos seus componentes psicoativos mais conhecidos, THC e CBD.

Além de trazer à tona a importância histórica da cannabis, Grant e outras líderes femininas no campo estão desbravando o caminho para pesquisas inovadoras. Por exemplo, a Empyri concentra-se em compostos como Friedelin e Carvone, encontrados na raiz da cannabis, que são conhecidos por suas propriedades anti-inflamatórias e terapêuticas, sem conter THC ou CBD. Essa abordagem não apenas desafia as percepções convencionais sobre a cannabis, mas também abre novas oportunidades para produtos de cuidados com a pele que são eficazes e seguros.

Sustentabilidade no cuidado

O portfólio de produtos da empyri, que inclui um limpador de pele, um toner hidratante e um hidratante diário, todos à base de cannabis sativa, é um testemunho do compromisso da marca com a inovação e a sustentabilidade. A utilização de raízes de cannabis, um subproduto frequentemente negligenciado na produção de maconha e cânhamo, reflete uma abordagem consciente que valoriza o upcycling e a eficiência dos recursos.

Além dos cuidados com a pele, a visão de Grant se estende a uma linha de bebidas de raiz de cannabis, incluindo chás, cerveja e kombucha, embora atualmente enfrentam desafios regulatórios. Essa expansão não apenas diversifica o uso da cannabis em diferentes produtos de consumo. Mas também, reforça a ideia de que a planta pode desempenhar um papel vital em várias facetas do bem-estar e do estilo de vida saudável.

Liderança feminina moldando o futuro da maconha

O trabalho de mulheres como a Dr. Maria Prado e Jennifer Grant, ilustram uma mudança paradigmática na indústria da cannabis, movendo-se além dos estereótipos e reconhecendo o potencial da planta para o bem-estar feminino. Essa liderança participa ativamente na redefinição do futuro da cannabis, garantindo que ele seja inclusivo, sustentável e profundamente enraizado na ciência e na tradição nos cuidados.