Você sabia que é possível produzir papel, corda, remédios, roupas e até cosméticos com Cannabis? Entenda o que é o cânhamo e como ele pode servir de matéria-prima para diferentes segmentos da indústria.


Sumário

  1. O que é cânhamo?
  2. Cânhamo x maconha: qual é a diferença?
  3. Para quê serve o cânhamo? — o que é “Industrial Hemp”
  4. Cânhamo na indústria têxtil
  5. Cânhamo na indústria cosmética
  6. Cânhamo na construção civil
  7. Cânhamo na alimentação
  8. Por que o cânhamo é proibido em muitos países?
  9. O futuro do Industrial Hemp
  10. Por que usa-se o termo “Industrial Hemp” ou, em português, “Cânhamo Industrial”?
  11. Como está a situação de produção e indústria nos outros países?

É bastante comum que as pessoas confundam o cânhamo com a maconha. Inclusive, esse é o principal motivo pelo qual o cânhamo ainda é proibido em muitos países.

No entanto, como você vai entender com mais detalhes, tratam-se de plantas diferentes. E principalmente: o cânhamo tem uma concentração irrelevante de THC — que é a substância entorpecente.

Além do mais, o relatório “Commodities at a Glance — Special Issue on Industrial Hemp, da UNCTAD, apontou que o mercado do cânhamo industrial abre oportunidades econômicas para os países em desenvolvimento.

Isso porque sua versatilidade e suas características funcionais possibilitam ampla aplicação na agricultura, nas indústrias têxtil, automobilística, alimentícia, de construção civil, de cuidados pessoais e daí por diante.

Pensando nisso, o objetivo deste artigo é refletir sobre o que é e quais são as utilidades do cânhamo em diversos segmentos industriais, especialmente para refletir sobre a proibição em contrapartida às inúmeras possibilidades de mercado. Vamos lá?

O que é cânhamo?

O cânhamo é uma planta do gênero Cannabis, assim como a maconha. No entanto, tem baixa concentração (cerca de 0,3%) de THC (tetra-hidrocanabinol) — que é a substância que causa o efeito de “chapar” da maconha.

E, assim como a maconha, a história do uso do cânhamo por pessoas não é uma novidade. Há registros do uso da fibra de cânhamo para produção de tecidos há, pelo menos, 12 mil anos.

O cultivo de cânhamo recebe controle de leis. A legalização varia de país para país. A legislação do Brasil, por exemplo, não autoriza o cultivo e a comercialização de cânhamo.

Cânhamo x maconha: qual é a diferença?

Cânhamo e maconha são a mesma coisa“. Talvez esse seja o maior mito sobre o cânhamo. Apesar de serem do mesmo gênero de plantas, cânhamo e maconha são de espécies totalmente diferentes.

Para começar, é importante ter em mente que tanto o cânhamo quanto a maconha pertencem à família das Canabináceas. Ou seja, compreendem o gênero Cannabis.

Enquanto a maconha pertence às espécies Sativa e Indica, o cânhamo é da espécie Ruderalis, originária da Ásia Central.

E, muito embora pertençam ao mesmo gênero, existem muitas diferenças entre o cânhamo e a maconha. Logo de início, a primeira diferença é a aparência visual. O cânhamo é mais alto e esguio, com altura que varia de 2 até 5 metros, sem ramificações laterais.

Mas mais do que isso: as principais diferenças se referme aos compostos químicos que possuem.

canhamo vs maconha
(Fonte: Whidbey Island Cannabis)

A planta da maconha (Cannabis sativa ou Cannabis indica) tem um porte mais arbustivo, com maior quantidade de flores (que é onde tem alta concentração de THC).

Por isso, as flores são as partes mais utilizadas da maconha, enquanto utiliza-se todas as partes da planta do cânhamo nas mais diversas indústrias.

A concentração de THC na maconha varia de 10% até 30%. Esses valores podem ser muito maiores no haxixe — que é a resina da flor da maconha.

Em contrapartida, no cânhamo, a concentração de THC varia de 0,03% até 0,3%. Essa é uma característica importante que diferencia as duas espécies.

Esse é o segundo mito mais comum sobre cânhamo: em razão do seu baixo teor de THC, ele não tem condições químicas para ser uma droga recreativa.

No entanto, o Canabidiol (CBD), composto ativo e benéfico no tratamento de diversas doenças, está presente em todas as espécies da Cannabis.

cânhamo x maconha
(Fonte: Brookside Holistic)

Para quê serve o cânhamo? — o que é “Industrial Hemp”

Como você já sabe, não é de hoje que o cânhamo é um ingrediente nos mais diversos segmentos da indústria. Inclusive, há quem diga que foi a primeira matéria-prima industrial da humanidade.

De forma geral, o cânhamo pode servir para diferentes nichos industriais, para fazer plásticos, casas, roupas, acessórios, alimentos, combustível, cosméticos e daí por diante.

Segundo o site da Forbes, as sementes, fibras e óleo de cânhamo são muito utilizados por grandes empresas, como Ford Motors, Patagonia e The Body Shop.

Alguns registros arqueológicos encontraram roupas de fibras de cânhamo em 8.000 a. C e, até os anos 1920, era responsável pela confecção de 80% das roupas.

De acordo com Estudo técnico nº 765/2014 do Senado Federal, existem registros históricos de 5 mil anos atrás do cultivo do cânhamo nas margens dos rios Amarelo e Wei, no atual território da China. Em princípio, esse cultivo servia à produção de óleo e de fibras.

Além do mais, o cânhamo também foi a matéria-prima do primeiro papel da humanidade, em 250 a.C. Inclusive, essa forma de produzir papel permaneceu firma até a proibição da Cannabis.

Durante o século XV, o rei Henry VIII exigiu que todos os donos de terra semeassem ¼ de suas terras com cânhamo.

A história do cânhamo no Brasil começou, na verdade, em Portugal. O Império português buscava alternativas para confeccionar velas, tecidos e cordas dos barcos. Então, incentivou que impreendimentos brasileiros se dedicassem ao cultivo e à manufatura de cânhamo.

Ou seja, pode-se dizer que a Cannabis chegou ao Brasil por incentivo dos portugueses. O primeiro projeto aconteceu em Florianópolis, em Santa Catarina, em 1747, sob comando do governador Gomes Freire de Andrade.

Em 1793, Portugal instalou as Reais Feitorias do Linho Cânhamo, no Rio Grande do Sul, com objetivo de fortalecer a economia de sua maior colônia.

No entanto, o cultivo do cânhamo nunca teve grande destaque na economia brasileira. Na época, perdeu espaço para o cultivo de cana-de-açúcar e a pecuária.

usos do cânhamo na história
(Fonte: Industrial Hemp)

Cânhamo na indústria têxtil

A indústria têxtil é, provavelmente, o principal (e também mais popular) segmento que usa o cânhamo como matéria-prima.

De acordo com o levantamento da Kaya Mind, empresa de inteligência de mercado de Cannabis, a regulamentação do cânhamo poderia gerar 117 mil empregos e movimentar R$ 26,1 bilhões em apenas quatro anos no país:

O cânhamo têxtil pode representar uma revolução sustentável na indústria da moda. Com seu baixo impacto ambiental e versatilidade, ele não apenas reduz nossa pegada de carbono, mas também oferece oportunidades econômicas. É uma matéria-prima que alia inovação, sustentabilidade e crescimento econômico”

afirma Rafael Arcuri, presidente da Associação Nacional do Cânhamo Industrial (ANC)

As fibras do câmanho são muito resistentes e a textura se parece com linho. Em alguns casos, misturam com fibras de algodão e seda, para diversificar o uso.

Um dos benefícios do tecido de cânhamo é ter a durabilidade de 3 a 5 vezes maior que o algodão.

Além do mais, por ser uma planta rústica, tem menos exigências no cultivo, se comparada ao algodão, que é uma cultura que exige muito conhecimento para o manejo.

Da mesma forma, o cultivo não demanda o uso de defensivos agrícolas. O que, além de diminuir o custo da produção, também tem a característica de fitorremediação.

Isso significa que o cultivo de cânhamo também serve para remover substâncias tóxicas do solo e da água. Ou seja, descontaminá-los.

Por isso, a indústria da moda abraçou o cânhamo como uma alternativa sustentável de matéria-prima.

Só para ter ideia, em torno de 24% de todo uso de inseticida e 11% do uso de pesticidas decorrem da produção de algodão. Sem contar que, para fabricar uma camiseta, usa-se mais de 2,7 mil litros de água.

Por fim, também deve-se levar em consideração que a cultura do cânhamo produz mais por área plantada do que o algodão e o eucalipto.

Cânhamo na indústria cosmética

cosméticos cânhamo
(Fonte: The Body Shop)

A indústria de cosméticos também usa o cânhamo como matéria-prima, principalmente o óleo proveniente das sementes.

O óleo de cânhamo é um excelente hidratante natural da pele. Suas características compreendem alto e equilibrado teor de ácidos graxos essenciais (ômegas 3 e 6).

Os ácidos graxos essenciais acalmam e restauram a pele. Por isso, é um ingrediente ideal para produzir produtos para o cuidado da pele do corpo e do rosto e dos cabelos.

Além disso, a textura natural confere excelente emoliência e suavidade às loções, protetores labiais, condicionadores, xampus, sabonetes, produtos de barbear e óleos de massagem.

O óleo da planta também contém o ácido gama-linolênico (GLA). Algumas pesquisas demonstram que essa propriedade é um protetor solar natural, com UV de amplo espectro.

Cânhamo na construção civil

A mistura do núcleo amadeirado do cânhamo com cal e água produz um concreto leve e natural que retém a massa térmica e é altamente isolante.

Por isso, em diversos países, especialmente nos Estados Unidos, usa-se cimento de cânhamo para fazer blocos estruturais de casas.

Esses blocos, além do isolantes, também são atóxicos, à prova de fogo e resistentes à mofo e pragas.

cânhamo construção civil

Casa à beira-mar em Maui em construção, com paredes do primeiro andar feitas de painéis de cânhamo. (Fonte: American Lime Technology em CNBC)

Cânhamo na alimentação

Na alimentação, usa-se principalmente a semente de cânhamo — que tem propriedades funcionais e nutricionais, com alto teor de proteínas, ômega 3 e 6.

Só para ter uma ideia, 100 gramas de semente de cânhamo é o equivalente ao teor de proteínas de 100 gramas de frango.

Além disso, a semente também possui o CBD, substância benéfica no tratamento e prevenção de diversas doenças.

Na Inglaterra, um dos principais países no consumo e cultivo da planta, usa-se o cânhamo como base para diversos alimentos, como pães, bolachas, leite, azeites de boa qualidade e farinhas.

De forma geral, as propriedades benefícas do cânhamo na alimentação são:

  1. Melhorar a saúde cognitiva
  2. Prevenir doenças cardiovasculares
  3. Baixar pressão arterial
  4. Facilitar perda de peso
  5. Ajudar a tratar acne
  6. Combater constipação
  7. Reduzir o colesterol
  8. Aumentar massa muscular
  9. Prevenir anemia
  10. Ajudar a tratar doenças inflamatórias

E o uso do cânhamo ainda vai além apenas da alimentação humana. Em razão do alto teor de proteína, na Europa é comum utilizarem as sementes nas rações de animais, principalmente de aves.

Por que o cânhamo é proibido em muitos países?

E, diante de tantos benefícios e tanta versatilidade, surge uma questão importante: “então, por que nós abandonamos (e até proibimos!) uma planta que tem mais de 25.000 usos no mercado global?

É claro, não existe uma resposta simples e rápida para essa pergunta. Mas, todas as argumentações, em algum lugar, devem considerar que a relação do cânhamo à maconha tem muita culpa disso.

Além disso, o proibicionismo do cânhamo também esteve ligado aos interesses políticos e econômicos de diferentes grupos de poder. Um desses grupos eram as indústrias concorrentes ao cânhamo.

Nos anos 1930, as indústrias pretoquímica e farmacêutica desenvolveram novos produtos, como, por exemplo, o plástico e as fibras sintéticas.

No mesmo sentido, a indústria de algodão tem um custo alto, demanda muito conhecimento para cultivo e tem muito impacto ambiental.

Ao mesmo tempo, as novas tecnologias fizeram com que o custo-benefício da produção do cânhamo fosse menor.

Então, sob a influência de lobby, grupos poderosos dessas indústrias propuseram leis proibicionistas contra o cânhamo e as pessoas que o produziam.

A acusação era simples: toda produção de cânhamo foi acusada de plantar drogas para o uso recreacional, como se fosse igual à maconha. Mas, como você já sabe, cânhamo não serve para ser uma droga recreacional.

O futuro do Industrial Hemp

Não é nenhuma novidade que já passou da hora de repensar os atuais modelos de produção, especialmente para colocar em prática um modelo que leve em consideração a consciência do impacto ambiental.

O cânhamo pode ter um papel fundamental nisso. Afinal de contas, é um substituto alternativo e sustentável para o algodão, para a madeira e para o plástico.

Além disso, cresce e se desenvolve com rapidez, se adapta a uma grande variedade de climas e solos e tem um alto rendimento.

As consequências dessa substuição podem ser muito relevantes: diminuir o uso de inseticidas e pesticidas, reduzir o desmatamento, reduzir a emissão de carbono, diminuir a toxidade do solo e da água.

E isso sem falar da sua alta versatilidade que expande o seu impacto para diversas indústrias — agricultura, automobilística, cosméticos, têxtil, furniture, alimentícia, reciclagem, construção e papel.

Enfim, o hemp industrial é sustentável, renovável, biodegradável e reciclável. Para crescer com consciência, é fundamental desenvolver educação imparcial, pensamento crítico e coragem política.

Por que usa-se o termo “Industrial Hemp” ou, em português, “Cânhamo Industrial”?

O termo “Industrial Hemp” (ou Cânhamo Industrial) foi criado exatamente para distaciar o cânhamo de termos que se relacionem à maconha e ao uso recreativo.

A luta pela legalização do cânhamo tem motivos diferentes da luta pela legalização da maconha recreativa e até da legalização do uso medicinal da Cannabis.

Afinal de contas, além de serem plantas diferentes, a legalização do cânhamo leva em consideração princípios de sustentabilidade e flexibilidade de uso em diversas indústrias.

Como está a situação de produção e indústria nos outros países?

Na China, Estados Unidos e vários países europeus, permite-se o cultivo da Cannabis para fins industrais, levando em consideração a permissão da Convenção de 1961 e o posicionamento de 2020 da OMS sobre o assunto.

Nesse caso, permite-se o plantio e a comercialização de sementes ou plantas que tenham percentual máximo de THC de 0,3%.

Atualmente, cerca de 40 países produzem quantidades significativas de cânhamo industral, liderados por China, países da União Europeia, Estados Unidos e Canadá.

Só em 2019, estima-se que foram produzidas quase 300 mil toneladas de cânhamo industrial em estado bruto no mundo.

Em 2012, o lucro da indústria de cânhamo nos Estados Unidos chegou a $ 500 milhões de dólares anuais. Nessa época, o mercado era 100% abastecido com importações, já que o cultivo para fins comerciais não era legalizado pelo governo federal.

Somente no ano de 2018, o governo federal dos EUA legalizou o cânhamo como um produto agrícola, retirando-o da lista de substâncias controladas.

Na imagem, você pode ver o tamanho do mercado da “Industrial Hemp” nos Estados Unidos nos três maiores segmentos (sementes, “shivs” e fibras), além de suas projeções para os próximos anos.

Shivs é o material interno das hastes colhidas da planta, custam metade do valor da fibra e é utilizado em várias indústrias, como, por exemplo, na construção civil.

crescimento industria cânhamo
(Fonte: Industrial Hemp Market Size, Share, Industry Trends Report, 2018-2025)

Outros países que possuem algum tipo de regulamentação para o cultivo são:

  • Austrália
  • Áustria
  • África do Sul
  • Dinamarca
  • Finlândia
  • Alemanha
  • Grã-Bretanha
  • Hungria
  • Índia
  • Japão
  • Malawi
  • Polônia
  • Romênia
  • Rússia
  • Eslovênia
  • Espanha
  • Suíça
  • Egito
  • Portugal
  • Tailândia
  • Lesoto
  • Zâmbia
  • Zimbábue
  • Ucrânia

No Brasil, o cânhamo continua recebendo o mesmo tratamento que a maconha. Mesmo que, cientificamente, reconheça-se o teor insignificante de THC.

Desse modo, tanto o cultivo quanto a comercialização de cânhamo são proibidos no país.

Apesar disso, a luta por uma regulamentação continua. Em 2019, a empresa Schoenmaker Humako Agri-Floricultura, pertencente ao grupo Terra Viva, ganhou autorização judicial para poder importar e cultivar sementes de cânhamo industrial.

Em 2020 a ANVISA recorreu a decisão e, desde então, a briga jurídica segue ocorrendo, mas com cada vez mais esperanças por decisões favoráveis a autorização do plantio de cânhamo. 

Esse cenário pode mudar nos próximos anos. Existem projetos de lei que têm como objetivo discutir e regulamentar o cultivo de cânhamo, como o PL nº 399/2015, em que se definiu que o cânhamo tem teor máximo de 0,3% de TCHA.

Conclusão

Depois desse texto, ficou claro que o potencial produtivo do cânhamo vai muito além do que conhecemos da maconha, certo?

A verdade é que sua versatilidade pode colaborar com diversos segmentos da indústria com mais qualidade e sustentabilidade.

A maconha tem diferentes usos e todos são, de alguma forma, importantes. Por isso, a legalização é uma pauta que defendemos.

No entanto, o preconceito e a falta de informação fazem com que a população relacione o cânhamo à maconha e que, portanto, seja contrária à legalização do cultivo e do uso.

Desse modo, a legislação brasileira continua fechando os olhos para essa ótima oportunidade de mercado interno e externo.

E aí, o que achou desse texto? Ficou com alguma dúvida? Sentiu falta de algum assunto?

É só deixar seu comentário aqui. Vamos gostar de conversar com você!