Diante da realidade inegável das mudanças climáticas, estamos sendo forçados a ‘nadar’ contra uma maré de desafios ambientais sem precedentes. Neste cenário, surge um elemento inusitado: o cânhamo. Longe de ser apenas um tópico de debate social, ela se revela como uma ferramenta potencialmente revolucionária na absorção de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. Superando muito as capacidades do que podemos chamar de “árvores tradicionais”, ou de nossas árvores nativas, como vamos te contar por aqui. 

O velho ditado ‘quando a água bate na bunda, a gente aprende a nadar’ encontra um eco surpreendentemente literal na atual crise climática.

Esta descoberta pode ser um novo ponto de vista para a maconha, não apenas como uma curiosidade botânica, mas como um protagonista ativo na busca por soluções eficazes para mitigar os efeitos devastadores da crise climática.

Absorção superior de CO2 pela cannabis

Pesquisas recentes apontam que a maconha, conhecida cientificamente como Cannabis sativa L, possui uma eficiência notável na captura de gases de efeito estufa. 

Esta planta pode ser até três vezes mais eficaz do que as árvores tradicionais na absorção de CO2, um dos principais contribuintes para o aquecimento global.

O papel do cânhamo

Isso acontece porque o Cânhamo, a planta macho e o que podemos chamar em inglês de “hemp”, possui características únicas em sua composição e crescimento. 

Diferente da Cannabis sativa feminina, mais conhecida por suas propriedades psicoativas, o cânhamo macho se destaca na fixação de carbono. 

Por ter baixos níveis de THC (tetrahidrocanabinol), o composto psicoativo mais conhecido da cannabis, o CO2 capturado pelo cânhamo é armazenado em suas fibras, sendo posteriormente utilizadas em uma ampla gama de produtos, desde componentes automotivos até vestuário e medicamentos.

A diferença de gênero da cannabis

Essa diferença de gênero na planta de cannabis é crucial para entender seu potencial ambiental.

As plantas de cannabis são dioicas, o que significa que existem tanto machos quanto fêmeas. Enquanto a fêmea é frequentemente cultivada por suas flores ricas em THC, o cânhamo macho é valorizado por suas fibras robustas e capacidade de crescimento rápido. 

Essas características fazem com que o cânhamo macho seja particularmente eficiente na fotossíntese, processo pelo qual as plantas absorvem CO2 do ar. Assim, o cânhamo se torna um agente poderoso na captura de carbono, sendo uma possibilidade de contribuição no auxílio da crise climática. 

Enquanto o cânhamo macho se destaca na fixação de carbono, a cannabis sativa feminina desempenha um papel igualmente importante, mas em um campo diferente: o medicinal. 

Conhecida por suas flores ricas em canabinoides, como o THC (tetrahidrocanabinol) e o CBD (canabidiol), a planta feminina é amplamente utilizada em terapias e tratamentos médicos, e muitos não sabem que a Marijuana (fêmea) e o cânhamo (macho) tem usos tão diferentes. 

A cannabis feminina tem sido objeto de numerosos estudos e pesquisas, que destacam suas propriedades terapêuticas. Seu uso medicinal abrange uma variedade de condições, incluindo alívio da dor, tratamento de epilepsia, redução de ansiedade e até mesmo potenciais aplicações no tratamento de alguns tipos de câncer, como de estômago. 

Essa versatilidade terapêutica torna a cannabis feminina um componente vital na indústria farmacêutica e no campo da medicina alternativa.

Portanto, enquanto o cânhamo macho contribui significativamente para a luta contra a crise climática através da absorção de CO2, a cannabis feminina oferece benefícios inestimáveis na saúde e bem-estar humanos.

Hudson Carbon e o cânhamo

Um estudo conduzido pela Hudson Carbon, um centro de pesquisa focado em armazenamento de carbono, demonstrou a capacidade da cannabis na absorção de CO2. Segundo a pesquisa, uma área de apenas um acre de cannabis — equivalente a aproximadamente 4.047 metros quadrados, ou quase o tamanho de três campos de futebol — tem o potencial de absorver mais de 7 toneladas de dióxido de carbono da atmosfera. 

Além disso, destas 7 toneladas, até 3 toneladas podem ser efetivamente armazenadas pela planta. Para colocar isso em perspectiva, vamos considerar o ipê, uma árvore nativa bem familiarizada pelos brasileiros. 

Um ipê adulto pode absorver em média cerca de 163 kg de CO2 por ano. Isso significa que seriam necessárias aproximadamente 43 árvores de ipê para igualar a absorção de CO2 de um acre de cannabis.

Essa comparação destaca não apenas a capacidade surpreendente da cannabis na captura de carbono, mas também seu potencial como uma solução eficaz e sustentável na tentativa de combate  à crise climática e na redução da pegada de carbono global.

Como estamos falando de carbono, é importante destacar que o mercado de carbono é relativamente novo em nosso país, pouco explorado e que recorre a terminologias muito específicas, o que muita das vezes pode significar uma tentativa de hierarquização do conhecimento. 

Estamos falando de possibilidades de mitigação da pegada de carbono global, mas sempre nos lembrando que nenhuma ação de nós, humanos, substituirão os feitos ecológicos que nossa biodiversidade já (felizmente) compartilha conosco. 

Dilema ambiental e alerta de consumo

Além de sua capacidade de absorver CO2, a cannabis também demonstra ser eficaz na remoção de toxinas do ar e do solo, incluindo metais pesados perigosos como chumbo, mercúrio e cádmio.

Fonte: Penn State.

Porém, a erva também apresenta uma faceta que demanda atenção cuidadosa, especialmente no que diz respeito à saúde do consumidor. 

Estudos da Penn State University e o cânhamo

Uma pesquisa conduzida pela Penn State University revelou que as plantas de cannabis têm a capacidade inerente de absorver metais pesados do solo. Esta característica, embora útil para a remediação de locais contaminados, pode tornar a cannabis perigosa para os consumidores que a ingerem. 

O estudo, que realizou uma meta-análise sobre a contaminação por metais pesados em cannabis, descobriu que metais como chumbo, mercúrio, cádmio e cromo, conhecidos por serem carcinogênicos, podem ser absorvidos pela planta e, consequentemente, transferidos para os consumidores. 

Esses metais pesados, ao serem metabolizados, acumulam-se em áreas específicas do corpo humano, podendo causar danos significativos, incluindo a produção de espécies reativas de oxigênio e radicais livres, que danificam enzimas, proteínas, lipídios e ácidos nucleicos, aumentando o risco de câncer e problemas neurológicos.

A pesquisa ressalta a importância de práticas de plantio adequado para mitigar a absorção de metais pesados pela cannabis, enfatizando a escolha de variedades de maconha que não foram criadas para absorver melhor esses metais e a seleção de terras agrícolas livres de contaminação por metais pesados.

Duplos desafios no Cultivo Indoor de Cannabis

Uma alternativa promissora para mitigar a contaminação por metais pesados na cannabis é o cultivo indoor. Essa técnica permite um controle mais preciso das condições de solo e ambiente, minimizando os riscos de contaminação

Contudo, essa abordagem traz consigo outras considerações ambientais. O cultivo indoor, com sua necessidade de iluminação artificial, ventilação e controle de temperatura, pode levar a um aumento nas emissões de gases de efeito estufa. Essa realidade aponta para uma pegada de carbono mais elevada, contrastando com os benefícios de um cultivo mais limpo. 

Portanto, embora ofereça uma solução para a contaminação por metais pesados, o cultivo indoor de cannabis também exige uma avaliação cuidadosa dos impactos ambientais, sublinhando a importância de uma abordagem equilibrada e sustentável na produção de cannabis.

Uso eficiente de água no cultivo

Outro aspecto notável da cannabis é sua eficiência no uso de água. Enquanto culturas como o algodão, por exemplo, que para produzir cerca de meio quilo de fibra de algodão, são necessários pelo menos 1.500 galões de água, em contraste, o cânhamo requer menos da metade dessa quantidade para crescer e atingir o mesmo peso. 

Esta eficiência no uso da água não só faz do cânhamo uma escolha mais sustentável em termos de conservação de recursos hídricos. Mas também o posiciona como uma alternativa atraente para cultivo em áreas que enfrentam escassez de água ou condições de seca.

O cânhamo também se destaca por suas propriedades antibacterianas e hipoalergênicas, oferecendo benefícios adicionais tanto para a saúde humana quanto para o meio ambiente. Diferentemente do algodão, o cânhamo repele naturalmente a maioria dos insetos, fungos e micróbios. Reduzindo a necessidade de pesticidas e herbicidas, contribuindo para a preservação da qualidade do solo e da água.

A produção de cânhamo ainda enfrenta desafios. Principalmente relacionados à colheita e ao processamento, que ainda requerem uma quantidade significativa de mão de obra e não contam com equipamentos ideais. No entanto, o crescente interesse e investimento em tecnologias mais eficientes prometem superar esses obstáculos, abrindo caminho para uma produção mais ampla e sustentável.

Blockchain verde

Em uma evolução notável para a agricultura sustentável, a tecnologia blockchain está sendo integrada ao cultivo de cânhamo para uma medição precisa da remoção de CO2 e das emissões de carbono. A iniciativa, conduzida pela Hemp Blockchain, tem em vista revolucionar a maneira como a pegada de carbono é calculada no setor. 

Com a implementação do ‘Carbon Protocol‘, a empresa está estabelecendo uma infraestrutura digital para o registro e a transação de créditos de carbono. Estes créditos representam uma quantidade de emissões de CO2 que foi evitada ou removida da atmosfera. Podendo ser vendidos ou trocados por empresas que buscam compensar suas próprias emissões.

Este sistema inovador não só ressalta a eficácia do cânhamo na absorção de CO2, mas também o coloca como um recurso valioso para a produção de materiais de construção sustentáveis e bioplásticos.

 A incorporação da blockchain na gestão de emissões de carbono reflete uma tendência crescente entre empresas que procuram soluções tecnológicas para atingir metas de zero emissões líquidas. Representando um passo significativo na luta contra as mudanças climáticas.

 Fontes: