A relação entre a humanidade e a cannabis é tão antiga quanto a própria história. Em um mundo onde a natureza e o divino frequentemente se entrelaçam, a maconha emerge não apenas como uma planta de cura, mas também como um símbolo de poder e espiritualidade. Desde nosso entendimento como seres sociais, deusas e mulheres influentes são associadas a erva, tecendo uma narrativa rica de mitos, rituais e reverência.

Convidamos você a se juntar nessa leitura exploratória sobre as icônicas deusas canábicas e descobrir como elas moldaram a percepção da erva através dos tempos.

Deusa Ishtar — A Rainha do Paraíso (Oriente Antigo, 2.300 a.C.)

Ishtar, também conhecida como Inanna e Astarte, foi uma deusa venerada na Mesopotâmia. Esta região, que abrange o Iraque moderno, Kuwait e partes da Síria, Irã e Turquia, a reverenciava como uma divindade de cura. Ela era frequentemente homenageada com a erva chamada Ishara, que muitos acreditam ser a cannabis.

Figura central nas antigas civilizações, foi reverenciada especialmente entre os séculos 4º e 3º a.C., ela era uma deusa de grande importância, com muitos templos erguidos em sua honra. Alguns desses locais, embora em ruínas, ainda testemunham sua grandiosidade nos dias atuais.

Seu papel na mitologia é evidenciado em narrativas como o “Épico de Gilgamesh”, uma das obras literárias mais antigas da humanidade, Embora o que torna Ishtar verdadeiramente notável é sua presença nos registros escritos mais antigos. Chamada de Inanna pelos primeiros mesopotâmicos, ela aparece em inscrições em cuneiforme, uma das primeiras formas de escrita datada do 5º século a.C.

Entre o amor e a guerra

A jovem e bela Ishtar era frequentemente descrita com olhos penetrantes, uma figura que não apenas simbolizava o amor, mas também o personificava. Ela era a deusa do amor antes de qualquer outra, e os antigos a retratavam como uma divindade que se realçava com maquiagem, jóias e roupas luxuosas. Seu papel em rituais de casamento e fertilidade era central, embora sua vida amorosa fosse marcada por paixões intensas e escândalos, como seu tumultuado romance com Dumuzi.

No entanto, o amor e a sensualidade eram apenas um lado de Ishtar. Ela também era a deusa da guerra, uma figura a quem os reis e governantes recorriam antes das batalhas, implorando que ela causasse sofrimento aos seus inimigos. Sua presença não apenas simbolizava a guerra, mas também a justiça, especialmente ao punir aqueles que eram considerados culpados.

O legado da deusa Ishtar

Seu poder de influência não se limitou à Mesopotâmia, servindo de inspiração para várias outras deidades do amor e personagens femme fatale que surgiram posteriormente. Astarte, a deusa helenística da guerra e paixão sexual, foi influenciada por Ishtar, assim como Afrodite, a deusa grega do amor, e Vênus, sua contraparte romana. No mundo moderno, alguns especulam que até mesmo a Mulher Maravilha, um ícone feminino de força e justiça, pode ter traços inspirados em Ishtar.

Rainha de Sabá — A Portadora de Especiarias (Arábia Meridional/Norte da África, 950 a.C.)

A Rainha de Sabá é uma figura envolta em mistério. Ela é mencionada em várias escrituras antigas, incluindo o Antigo Testamento, e conhecida por sua visita ao Rei Salomão e por trazer presentes valiosos, o que desperta especulações sobre a natureza exata desses presentes. 

Seria a cannabis uma das especiarias que ela trouxe? A história dessa deusa é intrigante porque ela representa uma ponte entre diferentes culturas. 

Ela é mencionada não apenas na Bíblia, mas também no Alcorão e em várias tradições orais africanas. Em todas essas histórias, ela é retratada como uma mulher de grande sabedoria e riqueza, que governou um reino próspero e tinha acesso a ervas e especiarias exóticas.

Sabá na cultura moderna

O legado da deusa africana é visto em várias representações artísticas, como a pintura “A Visita da Rainha de Sabá ao Rei Salomão” de Edward John Poynter. Além disso, sua possível conexão com a cannabis lança uma nova luz sobre a importância desta planta na antiguidade e sua influência nas culturas.

Deusa Asherah — A Árvore da Vida (Israel Antigo, 1.800 a.C.)

Asherah, frequentemente considerada a mãe de Ishtar, é uma deusa associada à árvore da vida. Muitas representações antigas da árvore de Asherah exibem semelhanças notáveis com o formato da nossa amada cannabis.

Também conhecida como a Árvore do Conhecimento. Esta árvore, que aparece no mito bíblico do Jardim do Éden, é muitas vezes vista como um símbolo de sabedoria e conhecimento divino. A Árvore da Vida é um símbolo recorrente em várias culturas, representando a conexão entre o céu e a terra, a vida e a morte.

A adoração a Asherah era comum em muitas partes do antigo Israel. Ela era vista como a consorte de Yahweh e era frequentemente adorada ao lado dele. No entanto, com o advento do monoteísmo, a adoração a Asherah foi desencorajada e eventualmente proibida. Embora houvesse restrições, sua influência persistiu, e ela continuou sendo reverenciada em segredo por muitos israelitas.

A deusa é também conhecida como Athirat, e reverenciada como a “Criadora dos Deuses”. Frequentemente associada a El e Baal, divindades proeminentes da região, sua presença é identificada em inscrições babilônicas que datam da primeira dinastia, por volta de 1830-1531 a.C.

Deusa Asherah e a Cannabis

Sua relação com a maconha é objeto de debate entre os estudiosos. Uma inscrição em um sarcófago egípcio de 264 a.C. retrata a divindade como a Árvore da Vida alimentando um par de cabras. Esta representação levanta questões sobre a natureza da árvore e se ela poderia ser uma representação da cannabis.

Sula Benet, uma antropóloga polonesa, teorizou que o incenso bíblico “kaneh bosm” era, na verdade, cannabis. Se essa teoria for verdadeira, isso sugere que a cannabis era uma planta sagrada, usada em rituais e cerimônias.

Princesa Ukok — A Curandeira Tatuada (Sibéria, 1.500 a.C.)

Os restos da Princesa Ukok, encontrados nas montanhas geladas de Altai, revelaram tatuagens e um pequeno recipiente de cannabis. Acredita-se que ela tenha sido uma alta sacerdotisa do povo Pazyryk, conhecido por seu uso ritualístico da maconha. Seu túmulo, enfeitado com ornamentos de bronze e ouro, reflete a importância da erva em rituais e práticas espirituais.

A Descoberta da Princesa congelada

Em 1993, arqueólogos russos fizeram uma exploração surpreendente no Planalto Ukok, perto das fronteiras com a China e a Mongólia. Eles encontraram o túmulo de uma jovem mulher, carinhosamente apelidada de “Princesa Ukok” devido à localização de sua descoberta. Este túmulo, juntamente com outros na região, ofereceu insights valiosos sobre a cultura que habitou a região.

Curandeira Canábica

Apesar do título de “princesa”, muitos acreditam que a jovem mulher era, na verdade, uma xamã ou curandeira. Seu túmulo, embora indicativo de alto status, diferia dos túmulos reais próximos. Ela não foi enterrada com armas, mas com jóias e roupas de alta qualidade, incluindo uma túnica feita de seda amarela selvagem, um material raro e valioso na época.

O que realmente chamou a atenção dos pesquisadores foi a descoberta de um pequeno frasco contendo folhas, flores e sementes de canábis enterrado com o corpo. Esta descoberta sugere que a Princesa Ukok pode ter usado como analgésico, especialmente considerando que ela sofria de osteomielite e câncer de mama. A canábis, conhecida por suas propriedades analgésicas, pode ter sido uma parte essencial de sua farmacopéia natural.

A Cultura Pazyryk e o uso da erva

A descoberta da Princesa Ukok não foi a única evidência do uso de canábis pela cultura Pazyryk. Em escavações anteriores, os arqueólogos encontraram “kits de queima de cânhamo” em vários túmulos, indicando que o uso da planta era comum e difundido.

O Legado da Princesa Ukok

A Princesa Ukok continua a ser uma figura de grande significado para os habitantes modernos das Montanhas Altai. Muitos acreditam que sua remoção do local de descanso original trouxe desequilíbrios naturais à região. Seu corpo, agora preservado em álcool, permanece um testemunho da rica tapeçaria cultural da Sibéria antiga e da antiga relação entre humanos e canábis.

Magu — A mana do Cânhamo (China, 300 d.C.)

Magu é uma figura reverenciada no taoísmo, cujo nome significa “donzela do cânhamo”. Ela é associada ao Monte Tai, onde a cannabis era colhida para uso ritualístico. Os taoístas, conhecidos por suas práticas espirituais profundas, consideravam a cannabis uma planta sagrada, usada para conectar-se com o divino.

A história de Magu é interessante porque ela representa a interseção da história, mitologia e prática religiosa. Ela é frequentemente retratada como uma jovem mulher segurando um ramo de canábis, sugerindo sua associação com a planta.

Seshat — A Deusa da Sabedoria (Egito Antigo)

Última, mas nem de longe menos importante, Seshat, a deusa egípcia da sabedoria, escrita e astronomia, tinha uma profunda conexão com a cannabis. Os antigos egípcios usavam cordas de cânhamo em rituais associados a Seshat. O símbolo da cannabis é encontrado entre os hieróglifos mais antigos, refletindo sua importância na cultura egípcia.

A adoração a Seshat era comum em muitas partes do antigo Egito. Ela era vista como a patrona dos escribas e era frequentemente invocada em rituais associados à escrita e à medição. 

Acredita-se que a cannabis desempenhou um papel importante nesses rituais, ajudando os participantes a se conectarem com o divino.

Conclusão

A história das deusas canábicas nos mostra como a cannabis tem sido reverenciada e integrada em práticas espirituais e culturais ao longo dos tempos. 

Estas deusas e mulheres influentes representam a força, sabedoria e conexão espiritual que a sagrada erva trouxe para muitas culturas. Em um mundo onde a maconha ainda é frequentemente mal compreendida ou estigmatizada, olhar para o passado nos oferece uma perspectiva valiosa sobre seu valor e importância. Ao reconhecer e celebrar essas deusas canábicas, podemos começar a desfazer os estigmas associados à cannabis e reconhecer seu verdadeiro valor como uma planta de cura e conexão espiritual.

Fontes: