A Jamaica é um destino clássico no imaginário dos maconheiros. A terra do Bob Marley tem a fama de ser um país acolhedor para os amantes da cannabis, afinal fumar ouvindo o Rei do Reggae e curtindo as paisagens caribenhas parece bem convidativo, não é mesmo? Muito mais que isso, a Jamaica é um dos países do mundo em que a cannabis está ligada com um uso cultural e social que tem grande importância socioeconômica.

A antropóloga Vera Rubin dedicou parte da sua pesquisa para entender como a cultura jamaicana entende a cannabis e com isso explicar o padrão de consumo de cannabis no país. Segundo a autora, os estudos e debates sobre a cannabis focam nas propriedades psicoativas da cannabis e no seu uso dentro das sociedades ocidentais, o que ofusca a versatilidade e usos da planta, como o uso industrial do cânhamo

Uso recreativo de cannabis no Ocidente vs Uso cultural e ritualístico da cannabis na Jamaica

O surgimento do movimento hippie nos anos 1960 nos Estados Unidos trouxe um novo olhar global para a cannabis. O uso era feito por jovens brancos da classe média norte-americana e os efeitos da cannabis eram associados com experiências alucinógenas, além de representar uma forma de fortalecer a relação entre o grupo. 

Ao compartilhar algo subversivo entre o grupo, a relação entre os pares é ainda mais fortalecida. Então, o consumo de cannabis por jovens hippies, além de ser um momento para trocar ideias e aumentar a intimidade, é um momento secreto compartilhado apenas entre os usuários de cannabis. 

O uso recreativo para fins alucinógenos que se disseminou entre a classe média global, deriva desse uso norte-americano e não do uso indígena. O uso norte-americano se diferencia do uso tradicional em seus objetivos e também expectativas. Enquanto o movimento hippie busca construir uma subcultura distinta, o uso tradicional é abrangente.

Vera Rubin conclui que as algumas preocupações atuais sobre os efeitos da cannabis como a ideia de que a maconha diminui a motivação e causa preguiça está ligado às expectativas e padrões de uso que ocorre nas sociedades ocidentais, enquanto na maioria das sociedades não industriais, como a Jamaica, o uso da cannabis continua sendo polivalente, considerando toda potência da cannabis, utilizando a planta na alimentação, na medicina popular e também em rituais religiosos.

História da cannabis na Jamaica

A cannabis é uma das plantas mais antigas da sociedade. Usada em diferentes civilizações e sociedades, as evidências históricas indicam que a planta foi descoberta na Ásia e se espalhou para o Oriente Médio através do comércio de especiarias e também do uso do cânhamo na indústria têxtil. 

Segundo especialistas, o uso multifuncional tradicional da ganja foi introduzido na Jamaica em meados do século XIX por trabalhadores da Índia recrutados para substituir os escravos africanos trazidos à força para a Jamaica durante os séculos XVII e XVIII nos canaviais. O uso da cannabis na Jamaica foi difundido entre a classe trabalhadora negra, tornando-se cada vez mais popular.

Durante a última parte do século XIX, o uso da cannabis estava presente na alimentação e também como medicina popular no cotidiano da população, principalmente trabalhadores negros, rurais e urbanos, descendentes dos escravos.

Embora a cannabis tenha chegado na Jamaica a partir da Índia os usuários negros reivindicam a África como a fonte original da ganja jamaicana e citam referências bíblicas à existência da “erva”, ou marijuana, no túmulo do Rei Salomão.

O surgimento da religião Rastafari na década de 1930 ressignificou mais uma vez o uso da cannabis. A religião que usa alguns elementos do judaísmo e cristianismo, prega adoração ao deus Jah e considera a planta da cannabis como um elemento importante em rituais de meditação e conexão com Jah. O uso da cannabis no rastafarismo era feito através de rituais, mas também no cotidiano através de chás e óleos.

A religião Rastafari foi difundida pelo reggae por lendas como Jimmy Cliff, Peter Tosh, Lee Scratch Perry e Bob Marley. Nas letras das canções que ganharam o mundo todo, a cultura da ganja jamaicana foi apresentada. Desse movimento surge um estereótipo no imaginário coletivo sobre o uso da cannabis na Jamaica, mas a cultura da ganja é muito mais do que o uso recreativo, já que o significado da planta para essa população é sagrado e medicinal.

O clima e o solo da ilha foram outros aspectos que contribuíram para a expansão da cannabis no país, que se tornou símbolo de união entre a classe trabalhadora negra. Atualmente o cultivo de cannabis é uma importante fonte de renda para diversas famílias na Jamaica. 

Usos de cannabis na Jamaica

Existem quatro métodos principais de uso da cannabis na Jamaica: fumar, beber chás e tônicos, aplicação externa como óleos e pomadas e cozinhar com alimentos. 

Fumar a maconha

A maconha é fumada em baseados com uma mistura entre flores e tabaco, ou no chillum, uma espécie de cachimbo popular da Índia e no Nepal, entretanto, é muito mais comum fumar um baseado do que o chillum.

Fumar maconha é considerado indesejável pela classe média e pelos membros da classe trabalhadora que aspiram a um status mais elevado. Consequentemente, os fumadores inveterados de ganja encontram-se geralmente nos estratos socioeconómicos mais baixos 

Consumir a cannabis através do chá

O consumo de ganja em forma de chás e tônicos é amplamente conhecido por ter propriedades terapêuticas e profiláticas para diferentes doenças. Esse é o uso mais prevalente e é utilizado em todos os setores socioeconômicos, pois enquanto o uso da maconha fumada não é tão bem visto, pois a crença popular é que os chás e tônicos são absorvidos pela corrente sanguínea, fortalecendo o sangue e assim, afastando doenças, acredita-se que a ganja fumada vai diretamente dos pulmões para o cérebro, o que pode ter consequências imprevisíveis.

O uso de chá de cannabis é recomendado inclusive para bebês e crianças, já o uso de tônicos de cannabis é feito através da mistura da ganja com rum e vinhos. Os tônicos também têm um uso terapêutico e são usados para prevenir prisão de ventre, resfriados, gonorreia, para o alívio de dores e em feridas abertas. Os óleos e cremes de cannabis são usados para aliviar dores locais e tendinites.

Maconha nos alimentos

O consumo de ganja com alimentos também foi relatado por antropólogos. Esse uso de cannabis acontece em sopas, com verduras variadas ou com bananas cozidas, mas este método de ingestão parece ser limitado.

Na Jamaica contemporânea, o uso da cannabis fumada é mais comum entre homens. Esse uso começa ainda na puberdade, os mais precoces começam aos dez anos de idade. Durante a adolescência o uso é quase como um rito de passagem e é mais experimental e ocasional, apenas quando os homens começam a vida economicamente ativa que o uso habitual começa a ser mais comum.

Fumar maconha para os adultos já é parte natural do cotidiano, esse uso não é feito buscando os efeitos alucinógenos, mas sim para relaxar, compartilhar um momento com o grupo, por exemplo, em festas de trabalho, pausas para o almoço, ou visita à amigos.

Outro uso da maconha que acontece na Jamaica e quebra a expectativa dos efeitos descritos na literatura ocidental é o consumo da maconha para aumentar a capacidade de trabalho. É uma crença que o uso da cannabis transmite uma energia para o trabalho e pode auxiliar a vencer grandes desafios físicos.

A maconha é legalizada na Jamaica?

Em 1913 a maconha foi proibida na Jamaica em uma atmosfera similar ao proibicionismo da cannabis no Brasil. Como o uso da cannabis era feito principalmente por trabalhadores negros, algumas teóricas sobre os maleficios da maconha pautadas nos fatores raciais e de classe ganharam forças.

Apesar da proibição, o uso cultural, ritualístico, religioso e medicinal da maconha continuou sendo difundido no país. Por um lado, isso demonstra a resistência da cultura da ganja, por outro, as leis sobre cannabis da Jamaica tornaram as pessoas vulneráveis ainda mais vulneráveis.

Em 2015 uma vitória importante para o cenário mundial. A cannabis foi descriminalizada para fins medicinais, científicos e religiosos na Jamaica. 

Atualmente, um especialista pode prescrever o uso medicinal da cannabis para qualquer adulto maior de 18 anos. A licença medicinal de cannabis na Jamaica, permite que os pacientes comprem a planta em dispensários autorizados. A posse de cannabis permitida é de 56g, já o cultivo de 5 pés por cada adulto também é permitido.

Em comunidades rastafaris não há um limite designado para cultivo, desde que a cannabis seja usada para fins ritualísticos em espaços designados para práticas religiosas.

Nos dispensários de cannabis na Jamaica, além da cannabis, outros produtos, como óleos de CBD, cremes, comestíveis, vaporizadores, entre outras parafernálias relacionadas ao uso de cannabis, são vendidos. Apesar disso, o uso recreativo e no espaço público continua proibido pela legislação do país.

Fumar em público ou sem licença para cannabis medicinal ou licença científica e religiosa gera uma multa de 500 dólares jamaicanos (aproximadamente 20 reais). Já o porte de uma quantidade maior de 56g é considerado ilegal e pode gerar uma pena de prisão.

Turismo canábico na Jamaica

Os turistas na Jamaica também podem obter a licença medicinal de cannabis e assim conseguirem acesso ao mercado legal do país. As mesmas regras se aplicam para os jamaicanos e turistas. O porte permitido é de até 56g e o uso deve ser feito somente em lugares privados.

Uma outra vantagem de viajar para um país que legaliza a cannabis medicinal ou recreativa, é a possibilidade de encontrar hospedagens cannábicas. Assim, antes de reservar as acomodações, verifique se a hospedagem permite o consumo de cannabis e aproveita sua estadia na Jamaica com a possibilidade de fumar maconha tranquilamente. 

Outro passeio para turistas maconheiros ou entusiastas com a cultura cannábica fazerem na Jamaica é visitar fazendas de cultivo de maconha. Existem diversos passeios guiados para diferentes plantações no país, não vai ser difícil achar uma fazenda para ver de perto como o cultivo é feito e entender mais sobre essa planta tão complexa.

Algumas cidades como Negril, Ocho Rios e a terra natal de Bob Marley, Nine Mile oferecem passeios guiados à fazendas de cannabis. Também é possível visitar o primeiro laboratório dedicado à cannabis medicinal na Jamaica, o Kaya Herb House.

Conclusão

A relação entre a cannabis e a Jamaica tem uma longa história e é intrínseco à comunidade afrodescendente do país. O uso da maconha no país transcende as expectativas alucinógenas e se aproxima de um uso cultural, que explora todas as propriedades da planta: medicinais, religiosas e industriais. 

As possibilidades de funcionalidade da cannabis são muitas, é possível fazer chás, óleos, tinturas, cremes e até roupas de maconha. Na Jamaica esses usos são explorados, assim como as propriedades alimentícias.  Outra grande importância da cannabis na Jamaica é o uso religioso em rituais rastafaris. 

Apesar do aspecto cultural da cannabis e da popularidade da planta na população trabalhadora, a maconha não é legalizada na Jamaica. O uso medicinal, religioso e científico foi legalizado em 2015 e desde então os residentes e turistas que tiverem uma licença medicinal de cannabis, podem comprar a planta e produtos derivados de maconha em dispensários autorizados, mas o consumo deve ser sempre feito em lugares privados.

O turismo canábico na Jamaica é uma experiência que pode trazer muitos aprendizados sobre a cultura da ganja e a versatilidade da maconha. Todo maconheiro que tiver oportunidade de fazer essa viagem, deve considerar a Jamaica como um destino. Mas lembre-se: não é possível o transporte de nenhuma substância para fora do país, viajar com cannabis é crime internacional e pode ter consequências sérias.

Espero que tenham aprendido mais sobre a cultura da cannabis na Jamaica e os seus diferentes usos! Deixem nos comentários qualquer dúvida sobre o tema.