Para quais doenças e transtornos a Cannabis medicinal é um tratamento eficaz (a partir de pesquisas científicas) e em quais casos é possível receber autorização para usá-la no Brasil.


Sumário

Diversos países do mundo já regulamentaram o uso medicinal da Cannabis (maconha) nos últimos anos. 

Apesar disso, aqui no Brasil, a luta caminha a passos lentos e apenas recentemente vimos alguns pequenos avanços. 

Mas, antes de mais nada, vamos dar um passo para trás. Grande parte das dúvidas sobre o uso medicinal da Cannabis giram em torno de duas questões principais: 

  • Para quais doenças ou transtornos a Cannabis é um tratamento eficaz?” e 
  • Como conseguir autorização para usar a Cannabis com fins medicinal no Brasil?”. 

Pensando nisso, o objetivo desse texto é falar sobre o usos medicinais da Cannabis, principalmente a partir de evidências científicas mais recentes. 

Além disso, é tratar sobre como está o contexto político e jurídico em torno do uso medicinal da Cannabis e o que fazer para ter autorização para usá-la

Para quê a Cannabis medicinal serve? 

Os resultados das pesquisas científicas dos últimos anos mostraram a importância e a eficiência da Cannabis no tratamento de diversas doenças e transtornos. 

Os principais exemplos dessas doenças são: 

História da Cannabis no Brasil

Como muitos outros países da América do Sul, o Brasil apresenta uma história rica em relação à Cannabis

Os historiadores acreditam que a planta chegou pela primeira vez durante o século XIX, através dos portugueses, com a intenção de produzir fibra de cânhamo, que é um material para uso têxtil. 

O uso industrial da maconha já era uma realidade em Portugal e outras partes do mundo. O cânhamo era usado para fazer papel, cordas, rejunte para madeira e também as velas dos barcos. 

Então, não é exagerado supor que a maconha estava presente nas caravelas quando os portugueses chegaram no Brasil. 

Na década de 1830, no entanto, o governo do Rio de Janeiro proibiu o uso e a importação de Cannabis. Em nível nacional, o Brasil proibiu a Cannabis em 1932.

Hoje, o cultivo, a posse e a venda de maconha sem autorização são ilegais. Muito embora, o governo tenha despenalizado o uso pessoal de cannabis em 2006.

Isso significa que não é possível prender alguém no Brasil por possuir maconha paa o uso próprio. Mas ainda existem consequências administrativas por isso. 

No entanto, é possível penalizar alguém que possui maiores quantidades de maconha. Assim como cultivar ou vender. Nesse caso, entende-se que se destina para outras pessoas.

A legislação não estabelece uma quantidade mínima ou máxima. O que deixa a lei à mercê da interpretação do juiz. Nem sempre é a foma mais justa.

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(Fonte: PBPD)

Cannabis medicinal no Brasil atualmente

A abertura do acesso medicinal à Cannabis no Brasil teve grande influência das mães de pacientes. Foi a luta delas pelo acesso que deu início às discussões.

O documentário Ilegal mostrou esse contexto. O filme conta a história de Anny, que tem uma síndrome rara que causa crises epilépticas. 

Antes do tratamento, ela tinha cerca de 60 convulsões por semana. A partir do uso medicinal da Cannabis, esse número reduziu drasticamente.

O documentário mostra, portanto, a trajetória emocionante de Anny e a dificuldade de  receber autorização para acessar o uso medicinal. 

Atualmente a regulamentação ocorre no país de diferentes formas e o acesso é mais fácil. 

Regulamentação sobre Cannabis Medicinal

A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 327/2019 da Anvisa, estabeleceu as regras para a prescrição de produtos à base de Cannabis, ditando normas para os produtos que são vendidos diretamente nas farmácias. 

Até 2023, a Anvisa autoriza a venda de 35 produtos nas farmácias. Mas a maioria deles tem custo bastante elevado. O que faz com que muitos pacientes recorram à importação ou às associações de pacientes. 

A importação é regulamentada pela RDC 660/2022, que autoriza o próprio paciente a importar sua medicação.

Para isso, é necessário ter uma receita médica e autorização da Anvisa – que é feita no próprio site, de forma rápida. 

Além do mais, existem muita associações de pacientes pelo país. Elas funcionam por meio de autorização judicial, o que permite o cultivo das plantas e o manejo para fazer os produtos. 

O autocultivo é uma forma de desobediência civil e com o crescimento de associações, muitas mães conseguiram Habeas Corpus para o plantio de Cannabis para uso medicinal. 

A associação Cultive foi o primeiro caso de Habeas Corpus coletivo para plantação domiciliar de Cannabis.

No mais, existem alguns projetos na justiça brasileira que visam autorizar a comercialização da Cannabis sativa para fins científicos e medicinais, como o projeto de Lei nº 399/2015.

Fatos sobre Cannabis medicinal no Brasil

A partir de 2015, permitiu-se a importação de produtos à base de Cannabis no Brasil. 

Até o final de 2023, cerca de 430 mil pessoas utilizavam dos benefícios da Cannabis de forma legal, segundo os dados da Kaya Mind. 

Uma parte dessas pessoas, 219 mil, utilizaram esses medicamentos por meio da importação. O que é possível através de uma autorização que pode ser feita de forma online e rápida pelo site da ANVISA.

Inclusive, a Anvisa permite a venda de mais de 35 tipos de medicamentos à base de Cannabis nas farmácias. Ao mesmo tempo, a Anvisa permite a impotação de 1.600 produtos.

O avanço da maconha medicinal no Brasil não para por aí. Recentemente algumas cidades e estados estão regulamentando o fornecimento gratuito no SUS, como o estado São Paulo, para algumas doenças específicas. 

Em 2020, as universidades federais foram autorizadas a cultivar maconha para fins de pesquisa. 

Atualmente existem 1034 empresas ou associações com pessoas que têm o mesmo propósito de obter medicinas à base de Cannabis, normalmente óleos de CBD e THC

Regras de posse, cultivo e medicamentos à base de maconha no Brasil

No Brasil, é ilegal possuir e cultivar maconha medicinal sem autorização judicial. Alguns pacientes e associações possuem Habeas Corpus ou alguma outra permissão, que autoriza o cultivo, mas ainda são poucas.

Em relação ao uso pessoal, se você desobedecer essa regra, receberá uma advertência, com a obrigatoriedade de fazer algum serviço comunitário e uma aula educacional sobre os efeitos do uso de drogas.

É o qu estabelece o artigo 28 da Lei n. 11.343, de 2006:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – Advertência sobre os efeitos das drogas;

II – Prestação de serviços à comunidade;

III – Medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Cabe ao juiz escolher entre três punições. No entanto, essa lei ainda gera muitas controvérsias e confusão, já que ao mesmo tempo que não é uma penalização (não há pena de reclusão na cadeia), há medidas adversativas.

Tanto é assim que alguns juízes já se posicionaram contra essas medidas, defendendo o uso pessoal da Cannabis. 

Como solicitar o uso medicinal da Cannabis forma legal no Brasil

Em outros países, como Estados Unidos, pacientes que fazem uso de Cannabis Sativa têm um cartão. Basta alguns documentos e autorizações para isso.

No Brasil não temos um cartão que identifique um paciente. Para comprar produtos nas farmácias, só é necessário apresentar uma receita médica.

Como pedir autorização da Anvisa para importar produtos com Cannabis

Para importar, você precisa ter uma autorização. Para se inscrever na Anvisa e requerer a autorização, você vai precisar dos seguintes documentos:

  • Receita médica com prescrição de produto à base de Cannabis;
  • RG e CPF;
  • Comprovante de residência;

Com os documentos em mãos, você deve fazer o pedido de autorização no Gov.br

Para os produtos que já possuem cadastro no sistema de forma automatica, a autorização costuma ficar pronta na hora. Outros casos podem demorar até 30 dias.

Para acessar por meio das associações, é necessário uma receita com a prescrição e também laudo médico. 

Esse procedimento pode variar conforme a associação, já que algumas solicitam que o paciente se associe antes da compra, vale a pena entrar em contato para conferir o passo-a-passo. 

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(Fonte: Folha)

Como renovar sua autorização de importação para uso medicinal da Cannabis

Para continuar importando medicamentos à base de Cannabis, você deve apresentar uma receita médica válida e renovar sua autorização pelo site da Anvisa.

Para renovar, deve seguir os seguintes passos: 

  • Uma receita nova que mostra qualquer alteração na dosagem, quantidade ou tratamento;
  • Além disso, se as informações em seu formulário de importação e uso de produto tiverem sido alteradas, você também precisará atualizar isso. 

A autorização tem validade por 2 anos se o produto for o mesmo. Já a receita médica é válida por 6 meses para importar o produto.

Alternativas à compra de medicamentos: cultivo da Cannabis sativa para fins medicinais

Um grande impecilho ao acesso da Cannabis medicina são os preços caríssimos dos produtos.

Os valores começam em cerca de 70 doláres (R$ 250), sem contar as taxas de transporte e importação que não são nada baratas. 

O Mevatyl, que é vendido em algumas farmácias do Brasil, não custará menos de R$ 2896, por apenas uma caixa que contém três frascos de 10 ml.

O que fazer neste momento? Nessa situação, a alternativa para muitas pessoas é o cultivo da Cannabis e a manipulação caseira para extrair suas substâncias benéficas.

No então, em um primeiro momento, o cultivo é ilegal. O que acontece é que existe a possibilidade de regulamentá-lo.

Isso porque movimentos de pacientes de maconha medicinal têm acionado a justiça para seus tratamentos.

Cada vez mais a justiça está concedendo Habeas Corpus preventivos para plantar maconha com fins medicinais, especialmente para pacientes com epilepsia, câncer e mal de Parkinson.

Exemplo de Habeas Corbus

Um exemplo disso é o caso da Justiça Federal do Rio Grande do Norte que liberou em 2018 um habeas corpus preventivo a uma mulher para importar sementes para cultivo de Cannabis para fim medicinal.

O juiz desta decisão, Walter Nunes da Silva Júnior, até mesmo questionou o artigo 28 da Lei das Drogas, que criminaliza o porte de drogas, afirmando que a lei em questão criminaliza uma conduta que não causa lesão à outros.

Infelizmente esse número de aprovações ainda é pequeno. É enorme a diferença entre a demanda de ações judiciais e as permissões realmente concedidas pela ANVISA.

A alta demanda, junto com as evidências científicas de ótimos resultados no tratamento de diversas doenças, ajudam a fomentar as discussões em torno do assunto, fazendo com que o governo entre em discussões sobre regulamentação da produção e comércio de Cannabis sativa.

“Há enorme demanda por esses produtos no Brasil e as pessoas que deles dependem não podem ficar sujeitas às restrições e ao custo da importação”.
Gabriel Elias, coordenador de Relações Institucionais da PBPD.

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(Fonte: BBC Brasil)

Como obter cannabidiol pelo SUS

O tratamento com canabiol é caro e excludente, apesar de, assim como qualquer outro tratamento deve ser universal e gratuito. 

Por esse motivo, outra conquista da luta pela regulamentação da Cannabis medicinal no Brasil é o fornecimento de medicamentos pelo SUS.

Assim como no caso da importação particular, para pedir o medicamento via SUS é preciso de um relatório médico que reforce a sua necessidade de utilizar o canabidiol para tratar a doença e também disserte sobre o seu estado de saúde.

Com um relatório médico aprofundado comprovando a necessidade do medicamento e a urgência em usar, é possível viabilizar o fornecimento em 48h, por meio de uma decisão liminar. 

Para entrar e acompanhar o processo judicial, indica-se procurar um advogado. 

Para conseguir a liminar, é necessário demonstrar a probabilidade do direito da pessoa em conseguir o canabidiol, através de documentos.

Ou seja, é fundamental conseguir comprovar a necessidade do uso do canabidiol por um relatório médico. Além disso, deve-se provar que o paciente não tem como arcar com os custos do medicamento.

Outro caminho para conseguir a liminar é demonstrar que o paciente corre risco ao aguardar o processo finalizar.

Esperamos que o SUS consiga suprir a necessidade de todos aqueles que necessitam fazer uso da Cannabis, tornando o uso acessível para toda a população. 

Outra forma de tornar a Cannabis mais barata ou gratuita seria através da regulamentação do plantio para o estabelecimento de produção nacional de medicamentos de qualidade e mais acessíveis.

Alguns estados e cidades estão fazendo leis específicas para o fornecimento via SUS aos pacientes, facilitando esse trâmite, mas é necessário verificar as condições de forma individual. 

E é nesse sentido que a pesquisa e produção de produtos brasileiros começam a surgir.

O futuro próximo: Produtos brasileiros medicinais a base de Cannabis sativa

Já existem empresas brasileiras fabricando produtos à base de Cannabis no país, mas é necessário importar a matéria prima (extrato) porque que o plantio não é regulamentado.

O Brasil é pioneiro em pesquisas sobre a planta e possui diversos profissionais com ótimas qualificações para executar todas as etapas dentro do país.

Apesar da “produção nacional”, o custo ainda é elevado. Uma maneira de melhorar esse processo seria via regulamentação do cultivo no país, como propõe o projeto de Lei nº 399/2015, já que temos uma condição climática excelente para isso.

Conclusão

Apesar de ainda tímido, há avanço no acesso da Cannabis medicinal no Brasil, especialmente devido às evidências de eficiência no tratamento de diversas doenças.

Os primeiros passos foram pelo tratamento de crianças com epilepsia e agora, cada vez mais, a maconha medicinal está ganhando força e diferentes usos. 

Outro passo importante foi a regulamentação da importação de medicamentos para outras doenças pela ANVISA e a possibilidade de fornecimento pelo SUS.

Além disso, há alguns projetos que visam legalizar a posse e cultivo da maconha, principalmente para fins medicinais.

Desse modo, a maconha medicinal no Brasil parece ter um futuro próximo promissor, atendendo às necessidades e melhorando a qualidade de vida de diversos pacientes.

E você, como você analisa o uso da Cannabis medicinal no Brasil? Tem alguma história para nos contar? 

Deixe seu comentário aqui. Vamos adorar continuar essa conversa com você 🙂 

Fontes bibliográficas