A história da Ásia com a cannabis é muito antiga. Historiadores e antropólogos afirmam que o cânhamo foi descoberto no continente e teve diversos usos, como medicinal através de chás e tinturas, industrial para fazer tecidos, cordas e até mesmo papel e religioso. Apesar desse uso tradicional da cannabis em países asiáticos como Índia e Nepal, outros países, principalmente no sudeste do continente, adotaram uma política de guerra contra todas as drogas.

A Tailândia foi o primeiro país da Ásia a legalizar a maconha, enquanto seus vizinhos Indonésia, Singapura, Malásia e Filipinas são alguns dos países que adotam algumas das leis mais rígidas sobre drogas do mundo, com punições severas, incluindo a pena de morte. Esses países adotaram uma abordagem de “tolerância zero” em relação às drogas. 

Essa política gera discussões internacionais e é muito criticada por grupos de Direitos Humanos. Além disso, as consequências desse tipo de política têm graves impactos, como o encarceramento em massa. Vamos entender como funcionam essas leis e o que os viajantes que consomem maconha devem saber antes de ir para a Indonésia ou outros países do Sudeste Ásiatico.

Leis de Drogas na Indonésia e no Sudeste Asiático

Na Indonésia, a Lei de Narcóticos nº 35 de 2009 e a Lei de Psicotrópicos nº 5 de 1997 regulam e controlam o uso e a distribuição de drogas. Dentro da legislação, as substâncias são divididas em três categorias.

  • Categoria I: ópio, heroína, cocaína, metanfetamina, cannabis e qualquer parte da planta, MDMA, LSD, mescalina e outros alucinógenos.
  • Categoria II: morfina, codeína e medicamentos utilizados na terapia como último recurso para pacientes graves.
  • Categoria III: medicamentos frequentemente utilizados na medicina e com baixo potencial para causar dependência.

A punição para posse de drogas na Indonésia pode chegar até 20 anos de prisão. No caso de tráfico de substâncias “fabricadas, importadas, exportadas ou canalizadas ilegalmente”, a pena é perpétua ou de morte. A Indonésia afirma que o tráfico de estupefacientes e o abuso de drogas representam uma ameaça às vidas, aos valores culturais do povo indonésio e à segurança da nação.

A Indonésia é muito rigorosa na aplicação das penas relacionadas às drogas. Muitos estrangeiros são presos no país, especialmente em Bali, uma ilha conhecida por suas festas, mas que mantém uma postura proibicionista em relação às drogas. Alguns brasileiros estão nessa lista, inclusive por posse de maconha para uso pessoal que, mesmo em quantidades menores que 5 gramas, pode resultar em prisão. O presidente Joko Widodo, eleito em 2014, é rígido sobre o tema e afirmou que não haverá mudanças na legislação para perdoar as pessoas no corredor da morte.

Singapura

Singapura é conhecida por sua política inflexível em relação à pena de morte por tráfico de drogas. Nos últimos dois anos, a cidade-estado já executou 15 pessoas, incluindo estrangeiros e até mesmo um homem diagnosticado com incapacidade intelectual. 

A legislação local pune a posse, consumo e tráfico de qualquer substância de forma rigorosa. Em caso de posse, a pena pode chegar a até 10 anos de prisão e uma multa de até US$20 mil. Já para o tráfico, importação ou exportação de mais de 500 gramas de maconha, a pena pode ser a morte.

Malásia

A Malásia segue a mesma conduta de Singapura, punindo o porte de menos de 50 gramas de cannabis com até 10 anos de prisão e considerando a posse de mais de 200 grama de maconha como tráfico, punindo com a pena de morte.

Filipinas

O ex-presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, liderou uma das guerras às drogas mais sangrentas do mundo. Eleito em junho de 2016 com a promessa de acabar com as drogas e o crime, ele exerceu o cargo até 2022. Durante esses anos, milhares de suspeitos de uso e tráfico de drogas foram mortos, muitos deles de forma extrajudicial.

O número oficial de mortes durante o governo de Duterte é de 6.248, mas estudos indicam que o número real pode chegar a 30.000, já que se tornou prática comum no país grupos de extermínio chamados de “vigilantes” assassinarem suspeitos de envolvimento com drogas.

A Lei de Drogas das Filipinas é a mais rigorosa do Sudeste Asiático e, assim como os países vizinhos, condena o tráfico com a pena de morte. Além disso, pune o porte de drogas com penas de reclusão de 12 a 20 anos. A quantidade considerada como tráfico é de 10 gramas ou mais para ópio, morfina, heroína, cocaína, MDMA, LSD e haxixe ou óleo de cannabis, e 500 gramas ou mais para as flores de cannabis. A lei antidrogas é muito extensa e abrangente e também considera o porte de parafernálias para o uso de drogas como crime.

Política “linha-dura” contra as drogas não acabou com o tráfico do Sudeste Asiático

As leis severas do Sudeste Asiático para combater a circulação das drogas não conseguiram erradicar o tráfico de drogas na região. Em Bali, na Indonésia, o uso de substâncias como ecstasy e metanfetamina cresce anualmente. Já o uso de cannabis, embora não tenha um crescimento exponencial, é bastante presente na ilha. Um relatório do Narcóticos de Bali (BNNP) afirma que em 2023 foram apreendidos 37kg de maconha, enquanto em 2022 esse valor foi de 20kg e em 2021, 79kg.

Pesquisadores criminalistas e sociólogos acreditam que o tráfico de drogas não é erradicado com a pena de morte, pois esse método punitivista visa a base mais baixa da cadeia do mercado de drogas. Muitas vezes, punindo transportadores que aceitaram o trabalho por condições financeiras precárias, deixando de lado investigações sobre os responsáveis pelo comércio da substância e os líderes das organizações criminais.

Outros motivos apontados pelo fracasso dessa política em erradicar as drogas são a infraestrutura dos países e a corrupção, que contribuem para criar condições ideais para que laboratórios clandestinos continuem produzindo drogas sintéticas em larga escala.

Consequências da guerra às drogas no Sudeste Asiático

Encarceramento em massa, cadeias superlotadas e sistemas de saúde pública ineficazes para tratar os problemas causados pelo abuso de substâncias são algumas consequências enfrentadas pelos países que seguem a política “linha-dura” contra as drogas.

A Indonésia e os outros países citados são alvo de críticas de organizações internacionais, pois as penas severas não conseguiram reduzir significativamente o uso e tráfico de drogas na região e, em contrapartida, violam os direitos humanos fundamentais.

A pauta internacional das organizações que defendem os direitos humanos busca reeducar e reinserir na sociedade pessoas que cometem algum crime, acreditando na capacidade de redenção do indivíduo. Os países que adotam medidas drásticas e irreversíveis, como a pena de morte, estão indo contra essa pauta importante, principalmente porque sabemos que os mais afetados não são os reais responsáveis pelos mercados de substâncias ilícitas.

Os altos índices de HIV na Indonésia é outro problema secundário na política de drogas do país. A lei proíbe programas de informação e distribuição de seringas descartáveis entre usuários de drogas injetáveis, que também, por estigma, não podem buscar tratamento. Esse foi um problema enfrentado por muitos países europeus no final do século XX, que optaram por mudar a abordagem em relação às drogas para acolher os usuários que precisavam de tratamento.

No caso da cannabis, a discussão sobre o impacto dessas leis na saúde pública é ainda mais pertinente. O mundo está caminhando para a legalização do acesso aos tratamentos médicos à base de cannabis. Em casos de algumas doenças, como epilepsia refratária, a cannabis pode ser a única opção de tratamento. Retirar esse acesso dos pacientes medicinais e, mais do que isso, punir com penas severas, é uma atitude na direção oposta ao que o resto do mundo está seguindo.

Movimentos pela reforma da política de drogas da Indonésia

A Indonésia não recebe pressão apenas internacional para reformular sua política de drogas. Existem movimentos inteiros que acreditam que a criminalização da maconha causa mais malefícios do que benefícios e defendem uma abordagem pautada na saúde pública dentro do país.

Políticas de drogas pautadas na saúde pública e na Redução de Danos defendem programas de prevenção de uso, informações para usuários e uma rede de tratamento para aqueles que fazem uso de risco ou sofrem de dependência de alguma substância.

Apesar da discussão crescer no país e existirem propostas para redução das penas de posse e tráfico de drogas, é muito difícil uma mudança a curto ou médio prazo na política de “tolerância zero” de drogas da Indonésia, já que a sociedade em geral apoia essa política.

O atual presidente Joko Widodo é um grande defensor das penas severas e usa essa pauta para se mostrar um líder nacionalista forte. Em 2023, o governo de Joko Widodo teve uma aprovação de 76% da população.

Conclusão 

A política de drogas da Indonésia e de outros países do Sudeste Asiático é conhecida por suas penas severas, que condenam a longos anos de prisão em caso de posse de drogas, aplicando também a opção de pena de morte, principalmente em casos considerados tráfico de drogas.

Embora existam discussões sobre a reforma das leis de drogas do país e uma pressão internacional, principalmente de organizações de direitos humanos, a abordagem de “tolerância zero” continua sendo a política oficial na Indonésia, Malásia, Singapura e Filipinas.

Assim, se você é um viajante que usa maconha e vai para esses lugares, por mais atrativo que possa parecer fumar um baseado antes de surfar em Bali ou mergulhar nas Filipinas, nem pense em levar ou consumir maconha ou qualquer outra substância nesses países. O mesmo vale para os óleos ou tinturas de CBD.

Infelizmente, alguns lugares do mundo optam por negar a medicina, psicologia, fenomenologia, antropologia e todas as ciências que reconhecem o uso medicinal histórico da cannabis e a inerência ao homem do uso de substâncias psicoativas. Isso gera a necessidade de oferecer projetos de informação, acolhimento e tratamento para o uso de drogas, já que a guerra às drogas não é capaz de erradicar as substâncias.

Enquanto a onda conservadora continua rolando na Indonésia, a Tailândia se tornou o primeiro país da Ásia a legalizar a cannabis e mostra que pode existir uma esperança de mudança em relação às leis de cannabis no continente.

Espero que tenham curtido essa viagem pelo Sudeste Asiático e me contem nos comentários: Vocês têm vontade de conhecer destinos onde não se pode usar maconha ou preferem investir em viagens cannábicas?