O MDMA ( 3,4 metil dioxianfetamina) é uma substância estimulante e alucinógena, cada vez mais comum entre jovens de classes média alta, que causa diferentes efeitos envolvendo alegria, empatia e sensibilidade. Por esses efeitos, a substância ficou conhecida como droga do amor. Nesse post vamos explicar o que é essa substância, a causa, duração dos efeitos do MDMA e como reduzir os danos no uso da substância, evitando assim uma viagem desafiadora, a “bad trip

Conhecido como “Ecstasy”, “Bala”, “Cristal” ou “Molly”, o MDMA é um composto derivado das anfetaminas. Sintetizado na Alemanha em 1912 por Anton Kollish, o primeiro uso farmacológico do MDMA foi como inibidor de apetite.

Na década de 1950, a substância foi usada em tratamentos psiquiátricos e, pelos anos seguintes, muitos pesquisadores e médicos defenderam o uso terapêutico do MDMA para tratamento de transtornos de humor. Em 1985, a venda do MDMA foi proibida nos Estados Unidos e, em 1988, no Brasil.

Os efeitos neurológicos do MDMA consiste na liberação de serotonina, dopamina e norepinefrina no Sistema Nervoso Central, o que causa alteração no humor, temperatura, sono, apetite e controle do sistema nervoso autônomo. Vamos explicar mais sobre os efeitos ao longo do texto.

O MDMA é uma droga que não costuma ser usada no cotidiano. Pelos seus efeitos eufóricos e de socialização ele é usado principalmente em festas. A dosagem padrão do MDMA durante uma noite é entre 80-100 mg, mas tomar aproximadamente 600 mg de uma vez pode trazer consequências físicas graves além de uma viagem difícil.

Além da dificuldade em dosar, outro risco no uso do MDMA é que, muitos usuários combinam com o uso do MD outras drogas usadas mais frequentemente, como cigarro, álcool e cannabis.
O co-uso de uma substância tem impactos diferentes e oferecem diferentes riscos, tornando o uso mais ou menos perigoso. Estima-se que dentre os/as usuários/as que consomem MDMA, 95% também utilizam cannabis.

Os efeitos da combinação de ambas substâncias vêm se tornado alvo de diversos estudos neurocientíficos, não apenas pela popularidade do seu co-uso, senão também pelas implicações dos efeitos opostos que induzem.

Por isso, a importância das estratégias de Redução de Danos quando falamos de MDMA. Para quem não sabe a redução de danos, é uma política antiproibicionista, uma forma de olhar para as drogas sem pensar na punição, e sim em formas ou estratégias de fazer um uso melhor e mais seguro das substâncias que alteram o Sistema Nervoso Central.

Vamos entender neste texto como o MDMA interage com a cannabis, o que acontece com o nosso corpo ao tomar MD e fumar maconha e como a redução de danos pode ser aplicada na substância.
Vem entender mais sobre o Ecstasy e como reduzir seus riscos com a gente!

O que é o MDMA?

O MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina), mais conhecido como “bala” ou “ecstasy”, é um fármaco sintético psicoativo, derivado da feniletilamina, assim como a mescalina e as anfetaminas. Compartilha com elas a capacidade de induzir um amplo espectro de efeitos psicológicos, comportamentais e sensoriais, como por exemplo: sentimento de bem-estar, empatia, euforia, distorção da percepção e das experiências táteis.

O MDMA é quimicamente similar às anfetaminas e à mescalina. Em animais de laboratório, porém, os efeitos comportamentais agudos do MDMA parecem ser mais semelhantes aos dos psicoestimulantes do que aos dos alucinógenos.

O MDMA pode ser encontrado em forma de pastilhas, normalmente misturadas com outras substâncias, anfetaminas ou até mesmo cafeína e MDMA Cristal, que costuma apresentar uma maior concentração da droga e também mais pureza.

Como funciona o MDMA no Cérebro?

O MDMA aumenta a atividade de pelo menos três neurotransmissores (mensageiros químicos que regulam o estado de ânimo, reflexos, memória, etc): a serotonina, a dopamina e a norepinefrina. Os efeitos mais famosos do MDMA, como o incremento da empatia, sociabilidade, intimidade e a diminuição do sono, são fundamentalmente causados pelo intenso aumento de serotonina (conhecida como “o hormônio da felicidade”), que por sua vez, se relaciona com a secreção de oxitocina (conhecida como “o hormônio dos abraços”).

Mas como isso acontece?

Como outras anfetaminas, o MDMA aumenta a liberação dos neurotransmissores antes mencionados e/ou bloqueia sua reabsorção, produzindo níveis mais altos que os normais na fenda sináptica (o espaço entre um neurônio e outro na sinapse). Mas quando a droga se degrada e a síntese da nova serotonina ainda não está pronta (pode levar até vários dias), o déficit de serotonina afunda o cérebro em uma “ressaca de serotonina”, uma sensação parecida com a depressão e irritabilidade.

Como vemos na imagem, no primeiro quadro os neurônios normalmente liberam a serotonina em resposta a impulsos elétricos (ativação normal dos receptores de serotonina), o que mantém a função psicológica e fisiológica em equilíbrio. Na imagem do centro o ecstasy provoca um aumento rápido e intenso na quantidade de serotonina no espaço sináptico e bloqueia temporariamente sua remoção, provocando euforia, empatia, etc (intensa ativação dos receptores de serotonina). Já no quadro final, vemos os efeitos depois do uso da substância. A liberação de serotonina não é infinita. Eventualmente, o corpo não podem fabricar serotonina suficientemente rápido para compensar a que foi perdida e cada vez menos serotonina é liberada em cada impulso elétrico (diminuição da ativação dos receptores de serotonina), o que conduz a estados depressivos e ansiosos. As pesquisas apontam que em consumidores/as regulares, esse efeito adverso pode persistir no tempo, mesmo que sem consumir MDMA. (Fonte: The Neurobiology of Ectasy)

Os efeitos do MDMA

Os efeitos percebidos ao MDMA são, geralmente, positivos: felicidade, vontade de estar com as pessoas, sensibilidade no corpo, sensação de bem estar, de saciedade e energia. Por outro lado, isso não significa que o MDMA é uma droga que não oferece riscos. Vamos entender um pouco mais dos efeitos e riscos envolvidos no uso dessa substância.

Os efeitos do MDMA duram em torno de 4 horas e entre eles estão euforia, alegria, picos de energia e vontade de socializar.

Dentro do nosso cérebro os neurônios normalmente liberam a serotonina em resposta a impulsos elétricos (ativação normal dos receptores de serotonina), o que mantém a função psicológica e fisiológica em equilíbrio. Já o uso do ecstasy provoca um aumento rápido e intenso na quantidade de serotonina no espaço sináptico e bloqueia temporariamente sua remoção, provocando euforia, empatia, etc (intensa ativação dos receptores de serotonina).

Antes da proibição do MDMA, diferentes pesquisadores, médicos e psiquiatras enxergavam um potencial medicinal na substância. Apesar de ainda ser inconclusivo, os efeitos de alegria, euforia e empatia do MDMA podem ser importantes no tratamento de transtorno de estresse pós-traumático e depressão. Ao mesmo tempo, o uso recreativo do MDMA deve ser feito com cuidado especialmente por pessoas com algum transtorno psicológico.

A liberação de serotonina no nosso cérebro não é infinita. Eventualmente, o corpo não pode fabricar serotonina suficientemente rápido para compensar a que foi perdida e cada vez menos serotonina é liberada em cada impulso elétrico (diminuição da ativação dos receptores de serotonina), o que conduz a estados depressivos e ansiosos. As pesquisas apontam que em consumidores/as regulares, esse efeito adverso pode persistir no tempo, mesmo que sem consumir MDMA.

O efeito negativo do MDMA mais evidente durante o uso é o bruxismo e tensão nas articulações. Após o uso é a irritabilidade ou a sensação de tristeza, porém existem outros efeitos adversos do ecstasy como aumento da frequência cardíaca e pressão arterial, hipertermia e hiponatremia. O MDMA também é neurotóxico e a longo prazo o aspecto mais importante é o risco de efeitos neuropsiquiátricos irreversíveis.

MDMA e neurotoxidade

O uso prolongado de MDMA, anfetaminas e/ou metanfetaminas causa severos transtornos neurológicos e psiquiátricos, incluindo surtos psicóticos. As complicações neuropsiquiátricas estão relacionadas, em parte, aos efeitos neurotóxicos que esta droga pode induzir no sistema nervoso.

MDMA Ecstasy (bala)
O MDMA pode se apresentar em comprimidos ou em cristais.

Embora o mecanismo de ação pelo qual o MDMA induz efeitos neurodegenerativos seja atualmente desconhecido, estudos neuroquímicos e anatômicos apontam para a ação conjunta de vários possíveis agentes que causam alterações nas vias serotoninérgicas e dopaminérgicas do cérebro, como a formação de metabólitos tóxicos do MDMA e consequente geração de radicais livres (átomo/molécula instável e altamente reativo por possuir um número ímpar de elétrons em sua última camada eletrônica), juntamente com processos de estresse oxidativo, lesões celulares, apoptose dos neurônios (morte celular programada) e ativação de células nervosas auxiliares (microglias e astrogliais), vinculadas a processos inflamatórios e de reparação do tecido nervoso.

A importância da hipertemia na neurotoxicidade

Devido às suas propriedades estimulantes e as situações em que normalmente o Ecstasy é consumido, como festas, festivais e outros eventos de música, o uso MDMA está associado com a atividade física vigorosa por longos períodos de tempo em ambientes que muitas vezes podem ser fechados e quentes.

A hipertermia (aumento da temperatura corporal) é um dos principais sintomas da toxicidade aguda induzida por MDMA e a causa da maior parte dos episódios fatais atribuídos à droga (existem casos de até 43°C de temperatura corporal).

Um dos mecanismos mais eficazes para minimizar a neurotoxicidade da MDMA é reduzir a temperatura do ambiente ou utilizar outras substâncias antitérmicas, que ajudam a controlar a temperatura corporal, como por exemplo, o THC.

Uma pesquisa da Universitat Pompeu Fabra assegura que o efeito hipotérmico (redução da temperatura corporal) e as propriedades anti-inflamatórias do THC podem atuar como neuroprotetores, prevenindo a hipertermia (elevação da temperatura corporal), a ativação glial e a perda axonal de neurônios dopaminérgicos causados pelo MDMA.

MDMA em festas
A forte influência da temperatura ambiente na neurotoxicidade do MDMA é de interesse clínico, uma vez que o MDMA é frequentemente consumido em discotecas ou festas indoor, onde o ambiente é quente, o que potencia os efeitos neurotóxicos do fármaco. O tratamento da hipertermia requer atenção médica imediata, pois pode levar rapidamente à ruptura do tecido muscular e desequilíbrio eletrolítico (iones de sódio), que por sua vez pode causar insuficiência renal e/ou uma inflamação letal do cérebro, especialmente  em mulheres.

Maconha e Ecstasy

Então tomar MD e fumar maconha não faz mal? O poliuso de substâncias pode potencializar os efeitos delas no nosso corpo e aumentar a potência das substâncias, no caso do MDMA o co-uso da cannabis pode ajudar no controle da temperatura, mas também pode potencializar os efeitos alucinógenos do MDMA.

Vamos entender melhor a combinação da maconha e do ecstasy a seguir.

Efeitos opostos

Dentre os usuários de MDMA, 95% também consomem cannabis, o que converte o THC na principal droga anti-térmica que chega aos/às consumidores/as de ecstasy.

MDMA e Cannabis
MDMA e Cannabis

O co-uso frequente de ambas as drogas torna particularmente interessante estudar os efeitos da sua combinação, uma vez que o MDMA e a maconha induzem diversas respostas farmacológicas opostas. Enquanto o MDMA causa hipertermia, hiperlocomoção, ansiedade, inflamação, estresse oxidativo e dano neuronal (favorecido por temperaturas elevadas); o THC, principal composto psicoativo da cannabis, produz hipotermia, hipo-locomoção, apresentando efeitos ansiolíticos, anti-inflamatórios e antioxidantes.

Pesquisas trazem uma nova perspectiva sobre o uso conjunto de Cannabis e MDMA

Estudos realizados na primeira década dos anos 2000 descreveram os efeitos do THC e do MDMA em relação à atividade locomotora, ansiedade, temperatura e dependência de THC.

No entanto, a possível capacidade neuroprotetora do THC como atenuante da neurotoxicidade causada pelo consumo reiterado de MDMA nunca tinha sido relatada, até uma pesquisa desenvolvida pela neurocientista Clara Touriño e colaboradores/as em 2010 (Neurobiologia do Comportamento da Universitat Pompeu Fabra – Barcelona, Espanha).

Para avaliar o efeito do aumento da temperatura sobre o sistema nervoso, foram definidas duas abordagens de estudo: experimentos com ratos a temperatura ambiente (21°C) e experimentos com ratos a temperatura quente (26°C). Os animais receberam uma injeção de THC (3 mg/kg) e uma hora depois, também foi administrada uma injeção de MDMA (20 mg/kg), ou uma solução salina (grupo de controle), a cada duas horas.

Até agora, sabemos que no sistema nervoso central, nos órgãos e nos tecidos periféricos o THC se une a dois receptores, CB1 e CB2. Com o objetivo de entender qual deles está mais relacionado ao efeito hipotérmico causado pelo THC, os animais foram pré-tratados com os antagonistas desses receptores (AM251 para o CB1 e AM630 para o CB2), bem como se utilizaram ratos sem o receptor CB1, sem o receptor CB2 ou com ambos receptores canabinóides.

Como o MD age
Agonistas e Antagonistas – Um “agonista” imita uma substância endógena (produzida pelo corpo naturalmente) e estimula o receptor, provocando o um efeito similar (por exemplo, antidepressivos e derivados de anfetaminas, como o MDMA, imitam a composição da dopamina e “enganam” o receptor). Pelo contrário, um “antagonista”  se une ao receptor e o bloqueia, inibindo o efeito que essa molécula tem. Neste estudo, se utilizaram dois antagonistas dos receptores canabinóides CB1 (AM251) e CB2 (AM630) para bloquear seletivamente a ação de cada um e descobrir qual deles está associado a cada efeito produzido pelo THC.

THC E MDMA: sobre a temperatura corporal

Conforme já tinha sido demonstrado, o papel da temperatura ambiente afeta diretamente a capacidade do MDMA para gerar hipertermia no sistema nervoso e desencadear dano neural.
O MDMA induz uma hipertermia moderada nos experimentos a temperatura ambiente (21ºC) e uma hipertermia grave em ambiente quente (26°C).

Quando o THC foi administrado a animais tratados com MDMA, a hipertermia foi impedida, tanto nos experimentos a 21°C como nos experimentos a 26°C. Também se observou que os efeitos hipotérmicos do THC foram mediados pela ativação do receptor CB1 e não o CB2.

Estes resultados indicam que a temperatura ambiente quente potencia os efeitos hipertérmicos do MDMA, mas não afeta os efeitos hipotérmicos do THC.

Marcadores de dana neural

Astrócitos e microglias (células auxiliares do tecido nervoso) são ativados sempre que o sistema nervoso sofre alguma alteração, o que são considerados marcadores de dano neurológico.
Consistente com o que já vimos, o MDMA induz uma ativação significativa de astrócitos e microglias nos experimentos com animais a 26°C, o que significa que a neurotoxicidade foi potenciada em ambiente quente.

Por outro lado, o THC suprimiu a ativação de micróglias e astrócitos induzida pelo MDMA e o dano celular, a partir dos receptores CB1 e CB2. Os resultados também apontam que as propriedades anti-inflamatórias do THC podem contribuir para a redução da ativação glial induzida pelo MDMA.

células gliais: micróglias e astrócitos | Além dos neurônios, especializados na recepção, processamento e transmissão da informação (em forma de sinais químicas e impulsos elétricos), o tecido nervoso têm células chamadas neuróglias ou células gliais. Essas células são muito mais abundantes que os neurônios e oferecem suporte para eles, nutrem o tecido, controlam o microambiente (composição iônica, nível de neurotransmissores, fatores de crescimento, etc) e como são menos diferenciadas que os neurônios, participam da reparação e regeneração do sistema nervoso. Por isso, uma ativação destas células é considerado um sinal de dano neurológico. Uma ativação intensa das micróglias provoca uma grande liberação de mediadores inflamatórios (citocinas e óxido nítrico), o que acaba por exacerbar a inflamação do tecido nervoso, em vez de reduzir o dano neurológico causado nele.

Perda de axônios de neurônios dopaminérgicos

Para avaliar se o dano neural induzido por MDMA (que como vimos, desencadeou a ativação de microglias e astrócitos) resultou também em perda de neurônios dopaminérgicos, foi estudada a integridade dos axônios desses neurônios. Além disso, a hipertermia induzida pelo MDMA aumenta com a temperatura ambiente quente, o que, consequentemente, é esperável que agrave a degeneração axonal.
Quando a temperatura foi 21°C, o MDMA induz uma hipertermia leve, que causou dano neural moderado, mas que não foi suficiente para provocar a perda de axônios de neurônios dopaminérgicos.

Em contraste, a forte hipertermia induzida pelo MDMA a 26°C, provocou danos severos no sistema nervoso, que desencadearam uma ativação glial acentuada, uma alteração importante na estrutura do corpo estriado (uma parte do diencéfalo) e uma redução significativa dos níveis de TH (a enzima responsável pela conversão do aminoácido tirosina no DOPA, que por sua vez é o precursor da dopamina).

Isso demonstra que a temperatura elevada aumenta o poder neurotóxico do MDMA, promovendo a formação de derivados neurotóxicos e aumentando a captação desses metabólitos no interior da célula.

Nesse cenário, foi avaliado o efeito do THC na perda axonal em condições de forte hipertermia, em animais a 26°C. O THC evitou a destruição dos axônios dos neurônios dopaminérgicos induzida pelo MDMA em alta temperatura. O receptor de THC,CB1 parece ser responsável por esse efeito.

A liberação de dopamina possibilita a ativação de certas estruturas e áreas cerebrais que regulam funções relacionadas ao movimento e a motivação, bem como um grande número de funções cognitivas superiores. A liberação e transmissão da dopamina ao longo das diferentes estruturas do sistema nervoso é possível graças às vias dopaminérgicas, uma série de neuronas interconectadas pelas quais a dopamina viaja. A unidade funcional do tecido nervoso é o neurônio, a célula responsável pela condução do impulso nervoso. Os neurônios têm a capacidade de responder aos estímulos do meio, gerando sinais elétricos conhecidos como potenciais de ação (resultantes da diferença de potencial entre as superfície interna e externa da sua membrana) e propagando-os longas distâncias pelos seus prolongamentos.

Limitações da pesquisa: Podemos confiar em pesquisas feitas em outros mamíferos?

A avaliação do potencial neurotóxico do MDMA em seres humanos está concentrada em métodos indiretos (neuroimagem, neuroquímica e dados clínicos), uma vez que não há evidência direta (estudos histológicos) sobre os efeitos do ecstasy no tecido cerebral humano.

O desenvolvimento das pesquisas estão afetadas tanto pelo caráter ilegal da substância (que não permite utilizar pessoas como modelos experimentais padronizados), quanto pelas implicações éticas (seria antiético administrar doses significativas de MDMA para induzir dano cerebral).

A extrapolação dos resultados obtidos através de modelos animais para humanos não está isenta de limitações, devido à existência de importantes diferenças entre as espécies quanto à vulnerabilidade dos efeitos neurotóxicos. Nesse cenário, a ciência tenta se virar experimentando em outros mamíferos e propondo ajustes para o ser humano.

Na verdade, o dano em primatas poderia ser pior

Sabemos que existem diferenças entre o funcionamento do sistema nervoso do animal escolhido para esta pesquisa, o rato, e o primata não-humano, que está mais emparentado com a nossa espécie.

Por exemplo, é sabido que doses menores de MDMA causam maiores quedas de serotonina no cérebro de um primata não-humano que em outros mamíferos, como os ratos. Da mesma forma, os primatas parecem ter menor potencial regenerativo do sistema serotoninérgico e dos axônios dos neurônios danificados (quanto maior o comprimento do axônio e das suas arborizações, menor probabilidade de recuperação), que os ratos, sendo mais suscetíveis ao dano neurológico permanente.

A soma das evidências nos permite concluir que os primatas são mais vulneráveis ​​que os ratos aos efeitos neurotóxicos do MDMA, apresentam maior persistência de alterações neuroquímicas e estruturais induzidas no nível neuronal e tem uma probabilidade mínima de regeneração das áreas do cérebro que foram danificadas.

A fidelidade das investigações está comprometida pelos modelos biológicos de experimentação utilizados nelas. Apesar de que os/as cientistas aplicam cálculos alométricos para aproximar os resultados obtidos em outros animais ao ser humano, é extremamente comum que as pesquisas fiquem inválidas e/ou se atrasem por esse desajuste.

A importância de viabilizar estudos em seres humanos, especialmente no que diz respeito ao sistema nervoso, é um dos assuntos mais polêmicos e urgentes da Bioética do nosso século.

Redução de danos e MDMA

O MDMA é classificado como droga de graves danos à saúde pública e sem propriedades medicinais a nível internacional. Isso significa que a sua produção e venda não é regulamentada ou permitida em nenhum lugar do mundo e portanto, que o acesso ao MDMA é controlado pelo mercado clandestino.

Como consequência dessa falta de regulamentação, não existe uma forma dos usuários controlarem a qualidade e a pureza do MDMA adquirido. A incerteza da qualidade e, até mesmo, da substância adquirida pode oferecer riscos graves.

Uma estratégia de Redução de Danos muito importante quando falamos de MDMA e outras drogas sintéticas é o teste caseiro com reagentes do tipo marquis. A testagem da droga permite ter certeza do conteúdo e pureza da substância antes do uso. Isso evita que substâncias análogas, que oferecem um risco maior, como outras anfetaminas e catinonas, sejam vendidas como MDMA.

Além da testagem do MDMA com reagente, outras estratégias de Redução de Danos são: evitar a mistura com o álcool e outras substâncias depressoras, separar a dosagem correta em pequenas “bombetas” feitas com seda, manter-se hidratado, fazer pequenas pausas para descanso enquanto dança, e principalmente, estar bem psicologicamente antes de fazer uso da substância.

Conclusão

Apesar das limitações da extrapolação dos resultados obtidos em animais para humanos, há evidências suficientes de que o consumo de MDMA induz efeitos neurotóxicos muito seletivos e persistentes no sistema serotoninérgico cerebral quando administrado repetidamente e em altas doses.

Apesar de ainda ser desconhecido o mecanismo exato sobre como o MDMA se torna neurotóxico, é sabido que a alta temperatura aumenta a formação e a absorção de metabólitos tóxicos de MDMA (subprodutos resultantes do metabolismo do MDMA), o que incrementa o estresse oxidativo (desequilíbrio entre a produção de espécies reativas de oxigênio e a capacidade de reparar os danos resultantes), causando dano nas terminais nervosas e levando à neuroinflamação manifestada pela ativação glial, que eventualmente, conduz a degeneração axonal.

Como vimos, a redução da temperatura corporal causada pelo THC pode atenuar a formação e a absorção de metabólitos tóxicos e prevenir a neurotoxicidade do MDMA em ratos. Isso aconteceu não apenas à temperatura ambiente, em que o dano cerebral é leve, mas também na temperatura mais elevada, onde os efeitos neurotóxicos do MDMA são fortemente potencializados.

Além disso, as propriedades anti inflamatórias do THC, que já têm sido amplamente relatadas, demonstraram apresentar fortes efeitos neuroprotetores em uma ampla variedade de distúrbios do sistema nervoso central, de forma que também podem contribuir para atenuar a neurotoxicidade induzida pelo MDMA.

Por conta da possível neurotoxicidade do Ecstasy e do aumento da temperatura corporal, beber bastante água durante o uso é indispensável. Tomar cuidado com as doses para não sentir os efeitos de forma muito intensa ou desagradável também é uma forma de reduzir danos.

Espero que tenham entendido mais sobre o MDMA e que façam o uso com segurança!

Fonte

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