Conselho Federal de medicina restringiu o uso de canabidiol para apenas dois tipos de Epilepsia.

Qual o ganho de um povo que diminui suas alternativas de cura? O que beneficia um governo que restringe as possibilidades de tratamentos através do que vem da terra?

Na contramão do mundo, no dia 11 de outubro de 2022, foi publicada a resolução pelo CFM – Conselho Federal de Medicina Nº 2.324, que marcou o fim da possibilidade de utilização de canabidiol para tratar doenças e transtornos. Já em vigor, tratamentos que usam o CBD como método de cura ficam restritos apenas para os casos de epilepsia refratária em crianças e adolescentes com síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut, ou que possuem complexo de esclerose tuberosa.

O Canabidiol, ou CBD, como é popularmente conhecido, é um componente encontrado na Cannabis responsável pelo efeito relaxante em nosso corpo ao ser ingerido. É comprovado pela Academia Americana de Ciência, Medicina e Engenharia que seu extrato é eficaz para combater vários tipos de doença, tais como esclerose múltipla, insônia, parkinson, depressão, ansiedade, autismo e alguns casos de câncer. A partir dessa nova resolução, todos esses tratamentos com a erva estão estritamente proibidos.

Tratamento de silêncio

Segundo o CFM, a prescrição para outras doenças só poderá ser feita se o caso participar de um estudo científico, e os médicos que não cumprirem as novas normas ficam sujeitos a punição, que pode variar desde advertência até a cassação do registro profissional.

A proibição também atinge o campo acadêmico ao restringir que médicos ministrem palestras e cursos sobre uso do canabidiol ou produtos derivados de cannabis fora do ambiente científico, bem como fazer qualquer divulgação publicitária. Um retrocesso institucional de mais de 10 anos de luta na utilização da maconha como um potente fitoterápico.

Qual foi o motivo da mudança?

A relatora da nova constituição do Conselho Federal de Medicina, Rosylane Rocha, em nota publicada, justificou a alteração da resolução alegando que após a publicação da Norma 327 da Anvisa, em 2019, (que legaliza a fabricação e a importação de produtos com cannabis para fins medicinais)

“houve inúmeras atividades de fomento ao uso de produtos de cannabis e um aumento significativo de prescrição de canabidiol para doenças em substituição a tratamentos convencionais e cientificamente comprovados”.

Ou seja, fármacos!

Segundo o CFM, a nova resolução foi criada após revisões científicas sobre as aplicações terapêuticas e a segurança do uso do canabidiol.

“O trabalho considerou publicações feitas de dezembro de 2020 a agosto de 2022. Também foram colhidas mais de 300 contribuições por meio de consulta pública aberta para médicos de todo o país”, diz a entidade.

Este claro movimento, demonstra que o CFM realiza alterações em suas resoluções que indicam posicionamentos políticos e restringem o desenvolvimento do conhecimento científico e das práticas terapêuticas mais avançadas mundialmente.

Quem está por trás do apoio?

Em nota divulgada pela Sociedade Brasileira de Psiquiatria, a entidade deixa claro seu apoio a resolução e afirma que ”não há nenhum registro em nenhuma agência reguladora internacional de nenhum canabinoide para tratamento de nenhuma doença psiquiátrica”.

A gente deu um Google, e achou não uma, mas muitas comprovações por órgãos internacionais sobre os benefícios da Cannabis em tratamentos psíquicos. Vamos aos fatos:

  • A Federação dos Conselhos Médicos Estaduais dos Estados Unidos, não apenas indica a Cannabis para tratamentos psíquicos, como possui uma cartilha com Diretrizes Modelo para a Recomendação da Maconha no Cuidado ao Paciente. Você pode acessar aqui.
  • Em artigo publicado na revista eletrônica da Harvard, o Dr. Peter Grinspoon, médico e especialista em cannabis no Massachusetts General Hospital, escreve sobre os benefícios da erva para a saúde — incluindo doenças psíquicas —, além de orientar médicos que a prescrevem com alternativa de tratamento.
  • A Associação Alcohol and Drug Foundation’s, situada na Austrália, publicou um artigo em seu blog sobre os benefícios dos tratamentos de doenças psíquicas com Cannabis.

O que disse a Anvisa a respeito

Com mais de 41 mil pedidos de importação de produtos à base de cannabis só no ano passado, através da publicação de uma nota, a agência informou que manterá a autorização para os produtos derivados da cannabis independentemente da resolução do CFM.

A medida tem validade de três anos e exige que o paciente submetido ao tratamento com o canabidiol (ou seus responsáveis legais) devem ser comunicados sobre os problemas e benefícios potenciais do tratamento. Um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) terá de ser apresentado e assinado pelos interessados.

Um breve contexto da autorização da Cannabis Medicinal no Brasil

Um histórico regado a preconceito, ideologias e falta de informação marca a trajetória da legalização do uso da maconha como tratamento medicinal em nosso país.

2006 — Foi sancionada a Lei 11.343 autorizando para fins exclusivamente científicos e medicinais, o cultivo da cannabis sativa no Brasil.

Sem a criação de regulamentações precisas feitas pelo Congresso Federal para atender aos pacientes que poderiam adotar o tratamento, era quase impossível conseguir qualquer produto ou medicamento com a erva produzida em nossas terras.

2014 — A Anvisa autorizou a importação de remédios à base de CBD, o canabidiol, para uso pessoal, desde que licenciada pelo poder público e utilizado apenas para fins exclusivamente medicinais.

Se antes a questão era acesso ao produto, a possibilidade de acesso ganha um novo obstáculo com o elevado valor de exportação. O óleo de CBD não chega às mãos de pacientes e seus familiares por menos de $2.000, tornando o tratamento inacessível para a maioria das famílias brasileiras.

2019 – Foi permitido o comércio, por farmácias, de produtos à base de cannabis, desde que com prescrição médica, mantendo a proibição quanto ao cultivo para fins medicinais de empresas e instituições.

2021 – Um ano marcado pela vitória na justiça de algumas instituições que fornecem tratamentos utilizando Óleo de Cannabis para plantio da erva.

2022 – Retrocesso. Conselho Federal de medicinal restringiu o uso de canabidiol e produtos a base de Cannabis para apenas dois tipos de Epilepsia.

Fontes: Agência Brasil, Nhcana, G1, FSMB, Harvard, ADF