“Camarão bão é nascido em cabrobó”, e parece que toda semana roças com mais de 100 mil pés de camarão são apreendidas no famoso e histórico polígono da maconha no nordeste. Para quem é do meio pode estar familiarizado com o “Triângulo Esmeralda” muito famoso na Califórnia, onde toda a cena americana se desenvolveu. Agora imagina esse triângulo californiano com 10x mais área e 10x mais sol sendo possível plantar em qualquer época do ano? Pois temos, o famoso polígono da maconha do Nordeste!

Os primeiros relatos conhecidos sobre a presença da cannabis no sertão nordestino foram feitos em 1869 pelo explorador inglês Richard Burton no livro Exploration of the highlands of the Brazil. Burton identificou as plantas às margens do São Francisco, mas, de acordo com ele, a fibra do cânhamo é utilizada para a confecção de tecidos, o que era comum em boa parte do mundo naquela época.

Com os municípios de Cabrobó, Orocó, Petrolina, Carnaubeira da Penha, Belém de São Francisco, Betânia, Floresta e Santa Maria da Boa Vista, em Pernambuco; e Juazeiro, Paulo Afonso, Glória e Curaçá, na Bahia, e Salgueiro compõe a região. Na geometria do tráfico, o polígono é formado por uma linha imaginária que liga mais de 20 municípios no sertão nordestino, abrangendo uma área de 40 mil quilômetros quadrados entre Estados. 

Os relatos da presença da cannabis na região remontam desde o século XIX, mas o auge da produção se deu nas décadas de 1980 e 1990, quando chegou a produzir 40% da maconha brasileira. Durante esse período a região onde se localiza o polígono sofreu com o aumento exponencial da violência. Os pequenos agricultores familiares conviveram com a briga por terra entre os poderosos que financiavam suas disputas políticas com a produção de maconha.

Logo, esse pequenos agricultores se transformaram em produtores de cannabis camuflando as plantas nas roças de mandioca. Mais tarde associaram-se ao crime organizado, fazendo com que a maconha perdesse a qualidade pela pressão para escoar a carga.

A região passou também a ser uma “porta de entrada” para cocaína no sertão nordestino, nesse período com o aumento do lucro do tráfico a violência ganhou força e explodiu. Em 1998, segundo pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco, a taxa de homicídios de pequenas cidades atingiu 145,06 por 100 mil habitantes. Para uma noção mais ampla, no mesmo ano a taxa de homicídios no Rio de Janeiro era de 44,3.

A Operação Mandacaru no Nordeste

Em 1999 houve a Operação Mandacaru, que utilizou 1.200 militares das Forças Armadas, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Bombeiros e Policiais Militares da Bahia e Pernambuco, ao custo de R$ 7.500.000,00, essa foi uma das maiores operações no nordeste.

Durante a Operação Mandacaru, foram presas 204 pessoas e destruídos 544.424 pés de maconha encontrados em 255 roças. A operação previa também ações estratégicas como a instalação de uma delegacia da PF em Salgueiro, um importante ponto na região para a rota do tráfico, e uma unidade do Incra para regularizar as terras na região.

O polígono contemporâneo

A delegacia especializada da PF em Salgueiro centraliza a investigação sobre o tráfico, mas o fato é que a produção de maconha continua firme. É comum nos deparamos atualmente, quase mensalmente, com notícias em grandes noticiários sobre enormes apreensões e erradicação de centenas de milhares de pés de cannabis na região. Segundo o professor Paulo Fraga, da Universidade Federal de Juiz de Fora, que estuda a região há quase dez anos, as erradicações das roças feitas pela polícia são compensadas por um aumento na produtividade da maconha, já que os produtores passaram a usar novas técnicas para o plantio.

Para os pequenos agricultores, sobretudo os que sobrevivem com dificuldade na agricultura familiar, a profissionalização do tráfico torna-se oportunidade de emprego, tanto na produção de maconha, que oferece uma remuneração maior do que as roças de mandioca predominantes na região, como na vigilância. Segundo, o professor José Maria Nóbrega, do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade Federal de Campina Grande, o sistema de plantio da cannabis não difere muito de outras culturas feitas na região.

Não se sabe exatamente qual o volume de produção local hoje, mas a participação do Polígono no mercado nacional é estimada em torno de 30%, por alguns pesquisadores, porém não é possível cravar isso porque esses dados não existem formalmente. A grande perda é que todos esses pés erradicados poderiam se transformar em remédio para a população.

Nordeste como potência

Hoje há uma nova estratégia de plantação porque as áreas de cultivo diminuíram e há o monitoramento por satélite. Por outro lado, houve um aumento de produtividade por conta da utilização de novas genéticas habituadas a região, com um crescimento e floração rápida, além do uso específico de fertilizantes. Isso nos mostra que as roças para se plantar ainda aparecem em grande escala mas o número de pessoas detidas tem diminuído, com o clima da região a planta praticamente faz todo trabalho sozinha.

Seria importante que essa região tivesse o monopólio da produção para ser uma alternativa de renda legal para os agricultores que estão envolvidos. Uma eventual legalização da maconha poderia favorecer a região do sertão do São Francisco, assim como o nordeste inteiro com centenas de milhares de geração de empregos. A região viraria uma super potência mundial e de fato o sertão ia virar mar.