Mãeconheiras também AMAMentam! Caras leitoras, desde que eu me assumi publicamente como mãeconheira, através do Diário de uma Mãeconheira que começou em 2015, lá no facebook, o assunto que mais chega nas minhas caixas de mensagens é: pode fumar maconha durante a gestação e amamentação? 

Antes que eu te diga sim ou não, prefiro te contar os caminhos que eu fiz para tirar minhas conclusões e fazer minha escolha de forma consciente. Devo dizer que o texto a seguir não é meramente um relato pessoal, pois trago referências de pesquisas baseadas em evidências científicas. Diante da minha experiência e de muitas outras mães e das pesquisas às quais eu tive acesso, hoje, posso falar com mais segurança e responsabilidade sobre esta questão que preocupa toda mulher usuária da cannabis quando se vê grávida e lactante.

O inicio de tudo

Essa questão chegou pra mim em 2012, eu morava no México e eu e meu companheiro na época, ficamos grávidos de propósito e com propósito. Mas, logo veio um porém. Já não era mais meu corpo, minhas regras, pois eu era responsável por formar um feto saudável. Tudo que eu ingeria iria para o bebê. Eu não consumia álcool e tabaco. Mas, maconha sim e diariamente. E agora? 

Procurei em grupos e comunidades no facebook e outras redes sociais, pesquisei em diversos fóruns na internet e gastei todas as palavras chaves no google e no google acadêmico. Todos os estudos que eu encontrava apresentavam um problema comum: as gestantes e lactantes além de usar a maconha, usavam álcool, cigarro, alguns casos como crack e cocaína, etc, ou seja, não havia nenhum estudo no qual as gestantes e lactantes usavam apenas cannabis, como era o meu caso. 

Mas, depois de refinar muito a pesquisa, encontrei o estudo da Melanie Dreher. Quase toda mãe que faz uso da cannabis, em algum momento se depara com os estudos da Melanie Dreher. A pesquisadora é estadunidense e sua especialidade é antropologia médica. Ela uniu os saberes: antropologia, filosofia e enfermagem, e investigou profundamente comunidades na Jamaica que faziam uso regular e quase exclusivo da maconha. 

Pesquisas de Melanie Dreher em cannabis e amamentação

A sua primeira ida à Jamaica foi para investigar como o uso da maconha afetava os trabalhadores, pois, tinha-se a teoria que a maconha causava preguiça e desmotivação, sendo ruim para o trabalho. Porém, Melanie Dreher, na sua pesquisa conclui justamente o contrário, a maconha estimulava os trabalhadores. 

Mas, os resultados das pesquisas da Melanie Dreher não agradaram muito as organizações governamentais e privadas, as instituições acadêmicas dos Estados Unidos, que financiavam a pesquisa. Era época da Guerra Fria e os Estados Unidos estavam investindo pesado na guerra às drogas. 

Durante a pesquisa, chamou atenção da Melanie Dreher, que mulheres usavam a maconha durante a gravidez e a amamentação. Mesmo sem apoios e financiamentos, Melanie Dreher conseguiu reunir uma equipe e realizou sua pesquisa, que desde então é referência quando se trata do uso da maconha na gravidez e na amamentação, devido ao seu rigor científico e seus métodos. 

Melanie Dreher, acompanhou toda a gestação das mulheres jamaicanas e já no primeiro mês de vida do bebê, a pesquisadora aponta que não há nenhum efeito negativo para o bebê pelo fato da mãe ser usuária da cannabis. Contudo, Melanie Dreher acompanha o desenvolvimento das crianças até os seus 5 anos de idade e conclui que as crianças se desenvolvem saudáveis e até melhores em comparação com as crianças de mães que não são usuárias. 

Da medicina a filosofia

A pesquisa da Melanie Dreher se destaca por dialogar com diversas disciplinas, como antropologia, medicina e filosofia e sobretudo por ter acesso às mulheres jamaicanas e ter dados concretos de como elas usavam a cannabis, desde a plantação, colheita, os usos medicinais, etc. Melanie Dreher sabia exatamente a quantidade, a qualidade e a espécie que as mulheres usavam. 

Interessante ressaltar, que a pesquisadora conta que muitas mulheres conseguiram construir sua autonomia financeira através do mercado canábico. A ganja, como chamam os jamaicanos, também é um importante instrumento para as mulheres conhecerem seu corpo, seu tesão e sua libido. 

Recentemente um estudo criterioso revelou que o uso da cannabis durante a gravidez não prejudica o desenvolvimento do bebê. A seguir, trazemos um trecho da matéria assinada por Gregório Ventura, editor da Editora Vista Chinesa, publicada dia 16 de junho de 2023 no site da Cannabis e Saúde: 

“Pesquisadores da Universidade Columbia, em Nova York, avaliaram o neurodesenvolvimento de mais de 2 mil crianças nascidas entre 1989 e 1992, que hoje em dia já são adultos. Esses participantes fizeram parte do Estudo Raine e contaram com informações sobre o uso de Cannabis durante a gravidez relatadas pelas mães.

Para realizar o estudo Neurodevelopmental outcomes in children after prenatal marijuana exposure, os cientistas compararam crianças expostas à Cannabis durante a gestação usando uma técnica de emparelhamento de escores de propensão. Os dados vieram de alguns testes realizados aos 10 anos de idade e depois aos 19-20 anos. Eles utilizaram exames padronizados como o Teste Clínico de Fundamentos de Linguagem (CELF na sigla em inglês), Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (PPVT na sigla em inglês e a Avaliação de Desenvolvimento Neuromuscular McCarron (MAND na sigla em inglês).

Resultados dos estudos da cannabis e amamentação

Após os devidos ajustes estatísticos, os cientistas chegaram à conclusão que a exposição pré-natal à Cannabis não foi associada a piores resultados neuropsicológicos em nenhuma das faixas de idade. Entre as 2804 crianças desse coorte, cerca de 10% delas foram expostas à Cannabis durante a gestação.

O Estudo Raine, ferramenta fundamental para a realização desse estudo sobre Cannabis e gravidez, é um projeto de pesquisa multigeracional. É um dos maiores estudos pensados para fazer análises de gravidez, infância, adolescência e vida adulta no mundo. Idealizado inicialmente na Austrália, o Raine gerou dados que servem de base para pesquisadores de todo o mundo”.

Se a maconha pode aliviar o mal-estar da gestação, pode aliviar o puerpério, pode aliviar a sobrecarga da maternidade, pode ser uma aliada para o prazer/tesão feminino, pode ser um instrumento de autonomia financeira, pode ser remédio para insônia, falta de apetite, estresse, depressão, quais são de fatos os efeitos negativos para as mães e os bebês?

O proibicionismo durante a amamentação

O proibicionismo que não deixa nem a brisa da mãe em paz, porque muitas sentem culpas. Muitas são ameaçadas. Muitas são limitadas. O proibicionismo que afeta a saúde dos vários bebês que são retirados das mães por serem usuárias de substâncias ilícitas. Afastar os bebês das suas mães lhes causa danos irreparáveis. 

Falar sobre as mães que usam substâncias ilícitas é falar sobretudo de Bem Estar Social. São as mães que criam e movem o mundo. Se a nossa preocupação é com a saúde das mães e dos bebês, não é pela perspectiva proibicionista que vamos resolver a questão. Na real, o proibicionismo problematiza e impede que possamos construir pesquisas com evidências científicas. As mães precisam conhecer as práticas da Redução de Danos e fazerem uso consciente. Hoje, já temos vaporizadores de ervas secas que são ótimos para reduzir os danos que a fumaça causa. 

Só o conhecimento pode nos trazer a verdade. Se outrora a verdade era uma fruta proibida, hoje ela é uma flor. A gente morde, traga e descortina a fumaça. Estamos aqui pra dizer: as mãeconheiras também AMAMentam!

Referências Bibliográficas:

Alex M. Kasman, M.D.,a Marie E. Thoma, Ph.D.,b Alexander C. McLain, Ph.D.,c and Michael L. Eisenberg, M.D.a. In: Association between use of marijuana and time to pregnancy in men and women: findings from the National Survey of Family Growth: a Department of Urology, Stanford University School of Medicine, Stanford, California; b Department of Family Science,School of Public Health, University of Maryland, College Park, Maryland; and Department of Epidemiology andBiostatistics, Arnold School of Public Health, University of South Carolina, Columbia, South Carolina. 

Melanie C. Dreher, PhD; Kevin Nugent, PhD; and Rebekah Hudgins, MA. In: Prenatal Marijuana Exposure and Neonatal Outcomes in Jamaica: 254 PEDIATRICS Vol. 93 No. 2 February 1994, An Ethnographic Study.

MELANIE C. DREHER. In: MATERNAL-CHILD HEALTH AND GANJA IN JAMAICA. School of Nursing, University of Miami.

Ventura, Gregorio. In: Estudo: uso de cannabis durante a gravidez não prejudica desenvolvimento do bebê. Cannabis e Saúde. Publicado em: 16/06/2023 https://www.cannabisesaude.com.br/estudo-cannabis-gravidez-desenvolvimento/ último acesso: 20 de novembro de 2023.