A íntima relação dos pets e seus tutores tornam os animais suscetíveis a exposição de diversas substâncias tóxicas, incluindo a Cannabis ou maconha. Mas, já se sabe que o tratamento medicinal com a mesma planta também pode beneficiar essas espécies em inúmeras doenças.

Sendo assim, qual a diferença entre o tratamento e a intoxicação pela planta in natura?

Os animais de companhia, principalmente os cães, podem ser expostos a diversas drogas de abuso, como anfetaminas, opioides, antidepressivos, cocaína e outras substâncias psicoativas, a exemplo da maconha.

A falta de conhecimento dos proprietários em relação a toxicidade de plantas ornamentais ou mesmo da cannabis atrelada aos sinais inespecíficos da intoxicação é um dos grandes desafios para os profissionais médicos veterinários.

A Cannabis é a droga mais consumida mundialmente, sendo estimado em 2013, um número de usuários de 4% da população mundial, cerca de 180,6 milhões de pessoas (Borille, 2016). A Animal Poison Control Center (EUA), tem o registro de mais de 250 casos de intoxicação por Cannabis entre 1998 a 2002.

Enquanto no Brasil um levantamento relatou que dos 120 casos de cães intoxicados, entre 2004 e 2005, quatro destes ocorreram pelo contato com Cannabis (Hansen, 2006).

Os escassos estudos levantados até o presente momento, evidenciam uma urgente carência de maiores dados epidemiológicos. Ainda, traz consigo questionamentos se tais dados estão subjetivados, afinal quando se trata de uma planta “proibida” a nível federal muitos proprietários se sentem inseguros e acabam omitindo informações no momento do pronto socorro, levando veterinário a um errôneo diagnóstico.

A principal via de intoxicação é através da ingestão de folhas e flores da planta e seus derivados incorretamente armazenadas pelos tutores. Porém, também pode ocorrer via respiratória, através da inalação da fumaça produzida pela queima da planta (Ferreira et al., 2013).

As plantas da maconha produzem uma classe de compostos químicos, os canabinoides, que atuam em receptores específicos (CB1 ou CB2) produzindo um efeito psicotrópico.

O delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) é um canabinoide com maior potência psicoativa e um dos mais estudados atualmente, no cérebro, a interação entre THC e CB1 causa uma alteração no padrão de funcionamento de diversos neurotransmissores, podendo desencadear um efeito estimulatório ou inibitório (Borille, 2016; Landa et al., 2016).

Como identificar a intoxicação em seu animal

Os sinais clínicos da intoxicação são inespecíficos e podem variar a depender de alguns fatores como a quantidade de THC ingerida ou inalada, sexo, peso, idade.

Em geral, os sinais surgem de 30 a 90 minutos após a exposição, e quando ocorre por via inalatória são mais amenos, os trabalhos relatados descrevem: depressão, incoordenação motora, vômito, tremores, pupila dilatada, incontinência urinária, agitação, vocalização (choro e latidos/miados), desorientação, salivação, entre outros (Botha & Penrith, 2009; Janczyk et al., 2004; Wismer, 2016).

Apesar da dose letal ser muito alta, maior que 3g/kg, o contanto com a planta numa dose de 0,5 mg/kg é motivo bastante para que cães e gatos manifestem sinais clínicos (Mckinney, 2017).

O THC absorvido é eliminado após cerca de 30 horas a 5 dias, maior parte como metabólitos que serão eliminados nas fezes e urina (Huestis, 2005).

Não existe um método de diagnóstico de específico para pets e, como agravante, os cães possuem uma via diferente dos humanos para metabolização do THC ocasionando falso-negativos na espécie com o uso do teste rápido disponível para humanos, entretanto, em gatos o teste foi utilizado e mostrou-se efetivo, embora seu custo e pouca disponibilidade em clínicas veterinárias limitam sua utilização na rotina (Miranda et al., 2017).

Como tratar animais intoxicados

O tratamento se baseia no que chamamos de “tratamento suporte” uma vez que não existe um antídoto, ou seja, a terapia visa tratar os sinais que o animal apresenta, deve ser realizado somente por um médico veterinário.

Por se tratar de sinais semelhantes a outras doenças e intoxicação por outros agentes tóxicos, é importante que haja clareza e sinceridade durante o atendimento para que não ocorra maior agilidade da conduta de tratamento do profissional, lembre-se, os veterinários estão preocupados com a vida dos pacientes, não com sua individualidade.

Aqui, cabe citar um caso que me recordei enquanto escrevia este trecho:

Como é dita a famosa frase do médico Paracelso: “A diferença entre remédio e veneno está na dose”, com a Cannabis não é diferente, a utilização da planta na medicina veterinária vem sendo amplamente estudada e explorada para diversas doenças, a exemplo de epilepsia, dor crônica, doenças de cunho neurodegenerativo, câncer, ansiedade, dentre outros.

Mas, a cannabis medicinal não causa os efeitos psicoativo por quê? Bom, a medida em que os estudos avançam e elucidam as propriedades terapêuticas de cada canabinoide, observa que existe um sinergismo entre eles. O efeito entourage/comitiva, relata que os canabinoides quando utilizados em conjunto expressam um maior efeito terapêutico do que quando utilizados de forma isolada (BEM-SHABAT, 1998; MILLER, 2018; RUSSO, 2011).

O CBD, canabinoide mais estudado até o momento, não possui efeitos psíquicos e bloqueia tais efeitos do THC, o que explica porquê os pets não ficam “chapados” durante o tratamento (Diehl e Pillon, 2021).

Os estudos acerca da compreensão de Cannabis Medicinal para pets bem como a atuação de seus compostos está em indiscutível ascensão, em um futuro próximo almeja-se a obtenção de doses precisas tanto para medicamento quanto para doses letais.

Essa medicina já uma realidade acessível para os animais, o que falta é disseminação de informação de forma democrática para que assim todos possam se beneficiar das maravilhas que a mãe natureza nos fornece.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  1. Borille, B. T. (2016). Caracterização química da planta Cannabis sativa L. a partir de sementes apreendidas pela Polícia Federal no Estado do Rio Grande do Sul. Tese (Doutorado em Ciências Farmacêuticas) – Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.
  2. Hansen, D. T. K. (2006). Prevalência de intoxicações de cães e gatos em Curitiba. Dissertação (Mestrado em Ciências Veterinárias) – Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Agrárias, Curitiba.
  3. Ferreira, M., Faraco, S., Sessegolo, G. M., & Stefanello, C. R. (2013). Intoxicação de um canino por Cannabis sativa. Revista de Ciências Agroveterinárias, 12(Esp.), 25–26.
  4. Landa, L., Sulcova, A., & Gbelec, P. (2016). The use of cannabinoids in animals and therapeutic implications for veterinary medicine: a review. Veterinární Medicína, 61(No. 3), 111–122. https://doi.org/10.17221/8762-VETMED.
  5. Botha, C. J., & Penrith, M.-L. (2009). Potential plant poisonings in dogs and cats in southern Africa. Journal of the South African Veterinary Association, 80(2), 63–74.
  6. Janeczek, A., Zawadzki, M., Szpot, P., & Niedzwiedz, A. (2018). Marijuana intoxication in a cat. Acta Veterinaria Scandinavica, 60(1), 44. https://doi.org/10.1186/s13028-018-0398-0.
  7. Wismer, T. (2016) Why is My Dog Wobbly. Veterinary Team Brief. 5 (4), 31-34
  8. Mckinney, J. (2017) A Cannabis Breakdown: and How It Fits Into Veterinary Medicine. VetWrap, v. 11, n. 1, p. 4-9.
  9. Huestis, M. A. (2005). Pharmacokinetics and Metabolism of the Plant Cannabinoids, Δ9- Tetrahydrocannibinol, Cannabidiol and Cannabinol. In P. RG (Ed.), Cannabinoids (pp. 657–690). Springer-Verlag. https://doi.org/10.1007/3-540-26573-2_23.
  10. Miranda, A. L. S., Benito, S., & Melo, M. M. (2017). Intoxicações de cães por drogas recreativas: maconha e cocaína. Revista Científica de Medicina Veterinária, 1–8.
  11. MILLER, R.J. The cannabis conundrum. Proc. Natl. Acad. Sci. U S A, v. 110, n. 43, p. 17165, 2013.
  12. RUSSO, E.B. Taming THC: potential cannabis synergy and phytocannabinoid-, erpenoid entourage effects. Br. J. Pharmacol., v. 163, n. 7, p. 1344-1364, 2011.
  13. SILVA, A.K., JANOVIK, N., OLIVEIRA, R.R. Canabidiol e seus efeitos terapêuticos. In: DIEHL, A., PILLON, S.C. MACONHA: Prevenção, Tratamento e Políticas Públicas – 1ª ed. Porto Alegre: ArtMed, 2021.