A busca por tratamentos alternativos na medicina psiquiátrica tem conduzido muitos à redescoberta de substâncias psicodélicas, não apenas de plantas e fungos, mas também de fontes menos convencionais. Entre essas, uma substância se destaca por ser conhecida como “molécula da vida”, extraída do Bufo alvarius, um sapo nativo do deserto de Sonora, no México, e do sudoeste dos Estados Unidos.

Esse sapo de estética “comum”, é classificado como espécie ameaçada na Califórnia e no Novo México, e atrai a atenção por uma razão específica: quando ameaçado, o sapo secreta um fluido que contém 5-MeO-DMT, um potente composto psicoativo.

Como é feita a extração da substância no Bufo alvarius?

 A extração dessa substância é realizada de certa forma com intimidade, pois as pessoas interessadas nessa experiência precisam estimulam as glândulas do sapo, fazendo “cócegas”, para que ele libere

Uma mistura tóxica, incluindo 5-MeO-DMT, pelas glândulas parótidas — localizadas atrás de cada olho — e pelas glândulas em suas pernas, como um sinal de alerta: “Por favor, não me coma! Não sou saboroso!” Se consumido em grandes quantidades por um predador potencial, as toxinas podem causar coma, parada cardíaca e até a morte.

Bufo alvarius perna

O 5-MeO-DMT é conhecido por causar efeitos alucinógenos intensos e breves, frequentemente descritos como transformadores. Quando inalado, o composto contido nessas secreções pode provocar alucinações auditivas e visuais. Usuários relatam experiências de profunda euforia e sensação de conexão com o universo, o que tem alimentado a curiosidade e procura por essa substância.

É possível proteger os Sapos e ainda usar seu veneno?

Esta troca entre anfíbio e humano se tornou uma ameaça para a sobrevivência dos sapos, que já enfrentam a invasão de seu habitat por meio de buscas exploratórias. Ao ser removido de seu território natural, o sapo pode se desorientar e suas chances de sobrevivência diminuem consideravelmente. Além disso, a coleta em grande número aumenta o risco de transmissão de doenças, como o fungo quitrídio, entre os sapos.

Em resposta a essa preocupação ambiental, pesquisadores têm realizado estudos para reduzir o impacto sobre as populações de Bufo alvarius. Uma dessas soluções é a produção sintética do 5-MeO-DMT. 

A síntese em laboratório do psicodélico poderia proteger os sapos, eliminando a necessidade de extração direta do animal. Há campanhas de financiamento público que buscam recursos para desenvolver uma linha específica da versão sintética do psicodélico, que, segundo estudos, também entrega efeitos satisfatórios para a terapia, sem expor sapos ou humanos a riscos.

Alerta em estudos científicos sobre o Bufo alvarius

Além disso, pesquisas sobre a segurança do uso do 5-MeO-DMT extraído diretamente do sapo estão em andamento, e já há relatos de experiências adversas. O New York Times fez uma matéria dedicada em expor alguns retiros de tratamento que utilizam a substância, e têm paramédicos de prontidão para intervir em caso de reações negativas, como envenenamento.

Mas essa troca entre humanos e anfíbios não é de agora… Pesquisas indicam uma possível tradição psicodélica das civilizações Mesoamericanas. 

Por décadas, as secreções do sapo do deserto de Sonora têm sido coletadas, secas e fumadas por pessoas em busca de experiências psicodélicas. Antropólogos há muito anos especulam que os antigos povos da Mesoamérica utilizavam o sapo Bufo marinus (famoso sapo-cururu) em rituais. 

sapo-cururu bufo alvarius

Foto: Divulgação/ Portal da Amazônia

20 anos de conhecimento psicodélico

Essa hipótese toma como base grandes representações iconográficas e mitológicas de sapos, além de relatos etnográficos especulativos. Contudo, os autores descartam o B. marinus como candidato para tal uso devido ao grau de toxicidade de seu veneno. 

Um candidato mais provável para a pesquisa foi o sapo do deserto de Sonora, Bufo alvarius, que também secreta grandes quantidades de veneno, mas esse com um potente alucinógeno (5-MeO-DMT).

Pesquisadores concluíram que, embora conhecido por ser tóxico quando consumido oralmente, o veneno do B. alvarius pode ser fumado de forma segura e é poderosamente psicoativo por essa via de administração.

Esses experimentos representam a primeira documentação de um agente alucinógeno do reino animal, fornecendo evidências claras de um sapo psicoativo que poderia ter sido utilizado pelos povos antigos.

Instituto Butantan e o Bufo alvarius

O Instituto Butantan, uma das principais instituições de pesquisa do Brasil, se manifestou em alerta às possibilidades de envenenamento por meio da interação com o sapo psicodélico Bufo alvarius. 

Vale lembrar que, o Instituto Butantan desempenhou um papel crucial no desenvolvimento e na produção da vacina CoronaVac, em parceria com a empresa chinesa Sinovac Biotech. A CoronaVac é uma das vacinas mais utilizadas no Brasil e em vários outros países na luta contra a pandemia de COVID-19. O Butantan também produz soros e anti venenos para uma variedade de picadas de animais peçonhentos, como cobras, aranhas e escorpiões. Esses produtos têm sido essenciais para o tratamento de acidentes com animais peçonhentos no Brasil.

Utilizações recreativas e medicinais da toxina do Bufo alvarius

De acordo com o Instituto, a utilização da toxina do sapo do Deserto de Sonora tem se popularizado tanto em contextos recreativos quanto em rituais religiosos, especialmente para lidar com questões de saúde mental como depressão e ansiedade. 

Contudo, o instituto alerta para os riscos à saúde humana associados às substâncias presentes no veneno, além de destacar que a coleta ilegal desses animais para tais propósitos pode comprometer sua existência, colocando-os em risco de extinção. Atualmente, o Bufo alvarius é considerado uma espécie de “ameaça menos preocupante” pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN.

Outras pesquisas sobre o Bufo Alvarius

Por outro lado, o veneno do sapo Bufo Alvarius tem sido objeto de estudos para possíveis aplicações no tratamento de condições de saúde mental. É o que diz um estudo conduzido pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), em colaboração com cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Unicamp e Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Segundo as pesquisas científicas, o 5-MeO-DMT, componente presente no veneno do sapo, pode ser benéfico quando utilizado em conjunto com terapias psicológicas ao demonstrar alterações no tecido cerebral humano. 

Publicado na revista científica Journal of Neurochemistry em 2022, o estudo revelou que uma única exposição ao 5-MeO-DMT resultou em reduções significativas e duradouras nos sintomas de depressão, ansiedade e estresse. Os pesquisadores também observaram que o 5-MeO-DMT estimula processos neuroendócrinos, regulação imunológica e atividades anti-inflamatórias no cérebro, sugerindo um potencial papel em tratamentos para condições de saúde mental.

Mas afinal, do que é feito o veneno?

A fama do sapo Bufo alvarius é por uma substância em seu veneno chamada 5-MeO-DMT, responsável por seus efeitos psicoativos. Essa substância também é encontrada em diversas plantas, como os rapés sul-americanos Virola sebifera, e em componentes do chá de ayahuasca

O 5-MeO-DMT pertence à classe das triptaminas naturais, similar às substâncias psicoativas presentes nos cogumelos conhecidos como “cogumelos mágicos”, como a psilocina e a psilocibina.

No entanto, seu uso, tanto médico quanto recreativo, é proibido no Brasil pela Anvisa, e em outros países como nos Estados Unidos. Por lá, é classificado como uma substância de alto risco, igual à heroína, devido ao seu potencial de abuso e à falta de segurança quando utilizado sem supervisão médica, segundo a Lei de Substâncias Controladas (CSA).

Como o veneno do Sapo Bufo afeta o organismo humano?

Segundo o documento “Domínio Epidemiologia: Efeitos e riscos das novas Substâncias Psicoativas em circulação no país”, elaborado pelo Ministério da Cidadania do Brasil, os efeitos do veneno do sapo Bufo Alvarius no organismo humano são descritos como potentes e de ação rápida. Seu principal componente ativo, 5-MeO-DMT, é classificado como um alucinógeno que inicia seus efeitos entre três a quatro minutos após a ingestão, atingindo o pico em cerca de 35 a 40 minutos e diminuindo após aproximadamente uma hora.

Esses efeitos são comparáveis aos de outros psicodélicos de triptamina, como os presentes em cogumelos, e podem incluir distorções na percepção visual, auditiva e temporal, bem como experiências emocionais intensas e impactos na memória. Além disso, o veneno do sapo Bufo Alvarius pode amplificar estados emocionais e induzir sentimentos de dissolução do ego.

O documento ressalta que entre os efeitos conhecidos associados à substância estão manifestações como:

  • medo
  •  tristeza
  • ansiedade
  • confusão
  •  fadiga
  •  choro
  • paranoia
  • tremores
  • entre outros

É importante ter em mente que esses efeitos podem variar de pessoa para pessoa e que o uso do veneno do sapo Bufo Alvarius deve ser considerado com cautela e para aqueles que decidirem entrar nessa viagem.

Fontes: