Afinal, 25g é considerado tráfico? A quantidade de droga para caracterizar tráfico não está estabelecida, abrindo brechas para interpretações. Saiba mais sobre a Lei de Drogas.

Entrevista Cecilia Galício e Emilio Figueiredo – REDE REFORMA

Pessoal, acreditamos mais do que nunca que o conteúdo de hoje fala por si só, e por isso queremos ir direto ao ponto: Você que consome cannabis, seja paciente medicinal ou usuário recreativo precisa conhecer seus direitos de usuário.

Nesse texto vamos esclarecer algumas dúvidas como a quantidade de droga para caracterizar o tráfico no Brasil e a legislação vigente para o cultivo, uso e posse de maconha. Entender a lei é uma forma de se proteger de abusos policiais e também saber o que falar durante uma abordagem para não se prejudicar ao se explicar. 

Nós do Mapa somos aficionados por conhecimento, e quando o tema envolve sociedade e direito queremos que nossos leitores sejam não só conscientes, mas comprometidos do seu papel como cidadão e usuário de cannabis informado e politizado.

Cecília Galício da Rede Reforma fala sobre os direitos do usuário no Brasil
Cecília Galício – Rede Reforma

Hoje queremos que, com essa entrevista, você reflita sobre três pontos principais:

  • Liberdade individual: seu grau de conhecimento sobre seus direitos como usário, e como a lei te enxerga e trata seu consumo;
  • Falta de informação e desconhecimento: quem ai já não ouviu falar que acima de X quantidade a pessoa é automaticamente considerada traficante?
  • Reconhecer quando os direitos do usuário são violados: exercer seu poder político como cidadão e usuário informado, lutar pelo fim da guerra contra as drogas, debater com qualidade e sobre e tema e se defender caso necessário.

Trouxemos hoje para responder as principais dúvidas que chegam no nosso blog a Cecilia Galício e Emílio Figueiredo, diretores da REFORMA.

A Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas – REFORMA surgiu em 2016, na cidade do Rio de Janeiro e hoje reúne 24 advogadas e advogados sensíveis às injustiças provocadas pela Política de Drogas brasileira e com dedicação a mudar essa realidade, em 9 Estados.

As principais iniciativas da Reforma:

Emílio Figueiredo da Rede Reforma fala sobre os direitos do usuário no Brasil
Emílio Figueiredo – Rede Reforma
  1. Facilitar o acesso à justiça para pessoas atingidas pela política de drogas;
  2. Compartilhar informações jurídicas;
  3. Incidir de forma criativa na realidade como litigância estratégica e participando do debate político por uma nova política de drogas – advocacy;
  4. Formar advogados e acadêmicos de Direito para atuarem no campo da política de drogas.  

A Rede Reforma congrega advogados que trabalham na defesa de pessoas presas e processadas pela lei de drogas com importantes vitórias nos tribunais.

Também estão à frente na conquista das principais decisões judiciais envolvendo a autorização ou o salvo-condutos para cultivo de maconha com fins terapêuticos no Brasil.

Hoje existem mais de 60 decisões reconhecendo o direito ao cultivo de Cannabis em prol da saúde no Brasil. Os advogados da Rede Reforma participaram de mais da metade desses casos de sucesso, inclusive,  atuando em conjunto com as Defensorias Públicas Estaduais e Federais. 

Entrevista

MAPA: Qual é a diferença entre usuário e traficante?

REFORMA: De maneira bem simplista, a diferença entre o usuário e o traficante é que o usuário usa, e traficante que faz a difusão com intenção de violar a saúde pública (o que é um contrassenso, vez que hoje já há previsão de venda de cannabis nas farmácias). A questão é que no Brasil nós vivemos um ambiente tão proibicionista que a maioria das pessoas não sabe que o ato de usar drogas sequer consta dos verbos que compõem o tipo penal: o uso de drogas não é punida com reclusão na legislação brasileira, ou seja, o usuário não pode sofrer privação de sua liberdade, não pode ser preso.

MAPA: É comum ouvir falar que a partir de determinada quantidade apreendida você pode ser considerado automaticamente traficante, como isso funciona?

REFORMA: No Brasil não há diferenciação entre usuário e traficante por critério objetivo (como quantidade), mas segundo uma pesquisa sobre as sentenças judiciais no Rio de Janeiro, 50% dos presos o foram com até 100 gramas de maconha*. Na prática, esse critério é político, e determinado apenas pela polícia, que é a única testemunha em 67% dos casos, e em conjunto com uma série de fatores, como a cor da pele e do CEP do sujeito. Assim, preto, pobre com pequena quantidade tem maiores chances de ser considerado traficante, enquanto o branco, rico, ainda que com grande quantidade é considerado “usuário querendo ir pouco na biqueira.” Infelizmente, mesmo em se tratando de pouca quantidade, a classe social e a renda da pessoa serão os fatores determinantes para julgar se é tráfico ou uso.

MAPA: O que acontece se eu assinar um Termo Circunstanciado de Uso?

REFORMA: A posse para uso é uma infração penal de menor potencial ofensivo e apenas na situação de flagrante é que o usuário poderá ser abordado e conduzido até a delegacia, para que o delegado lavre o Termo Circunstanciado de Ocorrência. Após a lavratura do Termo, este será encaminhado ao Poder Judiciário que intimará o usuário a comparecer no foro de seu domicílio. Após o comparecimento no fórum no dia marcado, poderá ser determinado o cumprimento das seguintes penas: advertência sobre o efeito das drogas, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo. Importante lembrar que assinar um termo circunstanciado não gera antecedentes criminais.

MAPA: Cultivar maconha é crime?

REFORMA: Quem cultiva maconha com a finalidade de uso pessoal está sujeito às mesmas penas de quem porta a droga para consumo, a diferença de que neste caso, de acordo com o § 2º do art. 28 da Lei de Drogas, o juiz analisará a natureza, a quantidade da substância, o local e as condições sociais e pessoais do agente. Neste ponto é que os problemas começam, porque são todos critérios subjetivos. Entretanto, se o objeto do cultivo se destina unicamente ao uso pessoal do agente e o agente puder provar isso, não há que se falar em crime, mas em infração de menor potencial ofensivo.

MAPA: Existe uma quantidade segura ou razoável de plantas em um cultivo individual? Qual a lógica?

REFORMA: Como dissemos, o que muitas vezes determina o critério de tráfico para a polícia, não são as quantidades, mas as condições em que desenvolve aquela ação. Nossa experiência demonstra que não existe uma quantidade segura: já tivemos um caso de prisão em que foram apreendidas 6 plantas pequenas e em estado vegetativo. Por isso, concluímos por dizer que qualquer cultivo de cannabis pode ser considerado um ilícito penal pela polícia.

MAPA: Qual a diferença entre usuário e paciente medicinal?

REFORMA: O paciente também é usuário, com a diferença de que o paciente medicinal faz a prova do uso terapêutico apresentando a prescrição médica e a indicação da patologia (CID da doença) que está sendo tratada com a substância proibida. O parágrafo único do art. 2º da Lei de Drogas traz a possibilidade de autorização de cultivo para fins medicinais ou científicos, que é o que buscam os pacientes que têm na maconha o tratamento que dá alívio às suas dores. Na nossa opinião, todas as pessoas que fazem uso de maconha o fazem com finalidade terapêutica, buscando o bem estar, físico ou mental, a diferença é que relação do paciente terapêutico com a droga pode ser legal, nos casos em que o paciente tenha habeas corpus.

MAPA: O que é preciso para obter um habeas corpus? Em quais casos cabe usá-lo?

REFORMA: Para obter um habeas corpus para cultivo é preciso ter o acompanhamento médico que determine o tipo do tratamento, a dose, a via terapêutica eleita.  Na grande maioria dos casos, estamos falando de tratamento com o óleo extraído da planta e não com a planta na forma fumada. Se o paciente não consegue adquirir o óleo importado, não consegue obter o custeio ou o fornecimento através do SUS, mas cultiva com eficácia e independência é possível requerer o salvo conduto através do habeas corpus. Hoje no Brasil nós temos 67 pessoas físicas autorizadas a cultivar maconha com finalidade terapêutica.

MAPA: O que fazer caso eu seja conduzido até uma delegacia de polícia por porte de maconha? E em caso de uma abordagem com violência, como proceder?

REFORMA: Se for para uma delegacia, o mais importante é fazer constar sua versão dos fatos: registre qualquer abuso sofrido na abordagem comunicando ao delegado que registrará a ocorrência. Leia e confira o seu depoimento antes de assinar. Se não se sentir confortável, anuncie que deseja ser acompanhado por um advogado: O direito de ser assistido pela família ou pessoa indicada pelo interrogado e pelo advogado é direito constitucional garantido no art. art. 5º, LXIII da Constituição Federal. 

Conclusão do Mapa da Maconha

A luta pela liberdade individual, seja para usar a cannabis como remédio ou cultivá-la para uso recreativo, exige conhecimento do nosso papel como cidadãos, nossos direitos e não pense que menos importante, nossas responsabilidades.

Não seja um usuário alienado, saiba que vivemos em meio a uma guerra que tem como causa principal o proibicionismo e na posição de pessoas privilegiadas devemos nos responsabilizar por mudar uma realidade que causa milhares de mortes por ano de pessoas que não são. Fumar seu camarão R$60/g no sofá e tapar os olhos para o que acontece na periferia é irresponsável, e vamos falar disso muito em breve.

Para conhecer melhor o trabalho da Reforma, realizar consultas, entender como solicitar um habeas corpus ou até mesmo chamar a Cecília e o Emílio para uma aula ou palestra, entrem em contato pelo Instagram @redereforma.