Especialistas explicam como funciona o tratamento com a Cannabis (maconha) para o Transtorno do Espectro Autista (TEA) em crianças e adultos.

Sumário

  1. Conheça mais sobre o TEA (Transtorno do Espectro Autista – TEA)
  2. Porque o autismo aumentou tanto nos últimos anos?
  3. O tratamento para o TEA
  4. A Cannabis e o TEA
  5. O Autismo em adultos 
  6. Considerações finais

Conheça mais sobre o TEA (Transtorno do Espectro Autista – TEA)

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, do desenvolvimento cerebral, sem uma causa totalmente conhecida. Ele é caracterizado por diversos sintomas, principalmente um conjunto de problemas na comunicação e interação social, padrões repetitivos e restritos de comportamento, interesses ou atividades.

O autismo recebe o nome de espectro devido à diferença entre as pessoas, é como se fosse um grande círculo, com diferentes graus e manifestações de sintomas.

TEA

Fonte: Voz do autista

Enquanto uma pessoa pode ter maior manifestação de um, outra será totalmente diferente. Manifestando mais, ou menos, alguma característica. O TEA é classificado em três níveis de suporte, quanto maior o nível, maior a necessidade de amparo.

No nível 1, a necessidade de suporte é menor. O nível 2, requer suporte moderado. E nível 3, um alto grau de suporte. Esse suporte pode ser ajuda de um profissional ou pessoas próximas, adaptações também são necessárias. 

Porque o autismo aumentou tanto nos últimos anos?

Atualmente é quase impossível não conhecer alguém que seja ou tenha pelo menos um familiar/amigo com autismo. Algo que era quase desconhecido antigamente, hoje ganha ênfase pelo aumento no número de diagnósticos e prevalência no mundo todo. Esse aumento se dá ao crescimento no número de casos, o que pode estar relacionado com uma das causas do autismo.

Uma dessas causas é a forma que o ambiente influencia a formação da criança, exemplo o estresse e consumo de agrotóxicos. A genética também é uma dessas causas. Sendo ter casos na família ou idade avançada dos pais uma influência. Outro motivo são as mudanças nos critérios dos diagnósticos, que foram ampliados conforme os anos. Tudo isso está relacionado principalmente com a maior informação sendo propagada nas mídias e meios sociais, o que facilita a identificação do TEA.

No Brasil, ainda não temos dados oficiais da quantidade de autistas no país, isso deve ser atualizado conforme o novo censo, com resultado final previsto para até 2025. Mas nos Estados Unidos, onde um órgão monitora a prevalência de diversas doenças e transtornos, a prevalência quase que dobrou nos últimos 10 anos.

Fonte: Canal Autismo

Se em 2014 tínhamos 1 em cada 68 crianças diagnosticadas com o transtorno, em 2023 já tínhamos 1 em 36. Devido a esse aumento, devemos pensar o transtorno como uma questão social, em que a sociedade deve estar preparada para lidar com ele. 

Isso se dá por diversos meios, como tratamentos que devem ser fornecidos por órgãos públicos, e uma educação adaptada e apta a acolher pessoas neurodivergentes. Novas formas de tratamento, assim como a Cannabis, também são importantes nesse processo, já que o tratamento atual nem sempre é totalmente efetivo para todos.

O tratamento para o TEA

O TEA é um transtorno que não tem cura, não é possível alguém deixar de ser autista. O que pode acontecer é um melhor manejo dos sintomas, para que a pessoa tenha menores prejuízos com eles. Para isso, alguns tratamentos são indicados, principalmente diversas terapias. Entre elas estão o acompanhamento com profissionais da medicina, psicologia, fonoaudiologia, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, nutricionistas e diversas outras áreas.

Quanto mais cedo for iniciado as terapias, maior pode ser a chance de desenvolvimento nas áreas prejudicadas. Para isso, o diagnóstico precoce é fundamental. Dentre o tratamento com medicamentos, os mais utilizados são antipsicóticos, antidepressivos e ansiolíticos. O problema é que nem para todos essas medicações funcionam, causando algumas vezes efeitos colaterais indesejáveis. Alguns desses efeitos podem ser sedação, agressividade, sonolência, aumento de peso, tontura, dor de cabeça, agitação e outros.

Como uma forma de tratamento, sem tantos efeitos colaterais como outras medicações, surge a Cannabis e seus derivados, como o Canabidiol (CBD). Após a popularização do uso do Canabidiol para o tratamento da epilepsia, algumas mães de epilépticos autistas notaram melhorias também em alguns aspectos do transtorno. Isso fez com que o Canabidiol começasse a ser usado como uma opção para o Transtorno Comportamental relacionado ao TEA. A ação da Cannabis no corpo é devido a relação da planta com o sistema endocanabinoide.

Nesse sistema, é como se tivéssemos diversas fechaduras no nosso corpo, e a Cannabis funciona como uma chave que se liga a ela. Por causa desse sistema, a planta pode agir em tantos transtornos e doenças diferentes. Alguns resultados no autismo são impressionantes, como em crianças que reduziram completamente crises de agressividade e puderam ter outro desenvolvimento. Apesar dos bons resultados, o tratamento precisa ser feito com o acompanhamento de um profissional. 

A Cannabis e o TEA

O médico pediatra Flavio Geraldes Alves, presidente da Associação Pan-Americana de Medicina Canabinoide, explica mais sobre o tratamento:

“O Canabidiol é indicado quando se tem um paciente autista com um transtorno comportamental refratário (quando já se utilizou pelo menos duas medicações sem sucesso) e mesmo assim o paciente continua com muita agressividade, irritabilidade ou alta ansiedade.”

Quanto à idade e grau de suporte, Flavio esclarece: “Normalmente, inicia-se o tratamento após os 5 anos de idade, por maior segurança (podendo-se também usar em idades inferiores, excepcionalmente). Ele é indicado para qualquer nível de suporte, mas quanto mais leve o nível, melhor a eficácia.”

Já existem estudos comprovando a eficácia do tratamento em pacientes com TEA. Sobre isso, o médico deixa claro:

“Existem evidências científicas já bem significativas sobre o tratamento, não de forma tão robusta como para epilepsia, mas já evidenciando eficácia e segurança, mostrando uma melhora no comportamento e nos sintomas centrais. Os principais estudos sugerem que o óleo com maior eficácia é o 20:1 (CBD/THC). É um  tratamento onde se vai titulando a dose, aumentando semanalmente e monitorando o efeito, o que requer um acompanhamento mais próximo do paciente até encontrar a dose ideal.”

Esse melhor resultado está ligado ao efeito comitiva da planta, também conhecido como efeito entourage, que faz com que todas as moléculas atuem melhor juntas, do que apenas a substância isolada.

Sobre os efeitos colaterais, o médico informa: “Em relação aos efeitos colaterais, eles podem acontecer, mas são mais leves comparados às outras medicações utilizadas, (como a risperidona e o aripiprazol), e entre eles a diminuição do apetite e aumento do sono.”

O neuropediatra Flavio Alves conclui: “Comparado a outras medicações, é uma opção bastante segura, com menos efeitos colaterais e que tem uma eficácia significativa. Tem que ser um tratamento individualizado, com um médico que tenha conhecimento com a Cannabis e também outras medicações, devido às interações medicamentosas.”

Interações medicamentosas são quando uma substância interage com outra no organismo, isso pode ocasionar maior ou menor absorção de uma medicação, o que influencia no tratamento.

O Autismo em adultos

O tratamento com a Cannabis pode ajudar não somente crianças diagnosticadas com o transtorno, mas também adultos. Diversos adultos chegam a idade adulta sem o diagnóstico do transtorno, mas com comorbidades, como depressão e ansiedade.

Isso acontece principalmente com mulheres, devido a capacidade de mascarar os sintomas. A pesquisadora Micheline Donato, professora da UNILA e CEO da MedCannabis, empresa que atua com consultoria e cursos na área de Cannabis, explica:

Os estudos com crianças autistas trazem muitas evidências, mas a gente esquece que o autista criança envelhece, e que muitos autistas adultos estão sendo diagnosticados agora tardiamente, eles precisam de um olhar diferente devido às comorbidades.” 

Em relação ao tratamento, a Cannabis age em diversos sintomas:

“O TEA é composto por vários sintomas centrais, a Cannabis, o Canabidiol junto ao THC, conseguem melhorar alguns, por exemplo, a comunicação social, a sociabilidade, irritabilidade, agressividade, rigidez cognitiva e restrição alimentar.”

Devido a falta de estudos em adultos autistas, a Universidade Federal da Integração Latino-Americana está realizando um, como coordenadora do projeto, Micheline explica:

Estamos desenvolvendo um estudo clínico, com uma série de casos de adultos diagnosticados tardiamente, para pesquisar o uso da Cannabis e como ela pode ajudar esses pacientes.

A pesquisadora finaliza deixando uma mensagem:

“Nós precisamos permitir que esses indivíduos autistas consigam se expressar da forma que eles são, porque eles trazem de fato um olhar diferente do mundo, uma conexão única, eles podem trazer soluções muitas vezes não pensadas e brilhantes contribuições para nossa sociedade, é necessário respeito.” 

Considerações finais

Com uma prevalência cada vez maior, é necessário pensar em novas formas de tratamento para o TEA. A Cannabis ganha destaque pela eficácia e segurança. Estudos já mostram isso.

Apesar da segurança, é necessário o acompanhamento de um profissional qualificado para melhor sucesso do tratamento. Já temos excelentes profissionais no Brasil, como os que contribuíram para esse texto, mas ainda é necessário a qualificação de mais.

Mais estudos estão sendo realizados e o uso medicinal da Cannabis vai obtendo cada vez mais maior comprovação científica.

E você, qual é sua opinião sobre o tratamento com a Cannabis? Você conhece alguém que faz o uso para tratar o TEA? Tem alguma dúvida? Deixe seu comentário