Em um dia ensolarado de verão em New Haven, Connecticut, um jovem de 22 anos foi encontrado em um estado de confusão e desorientação no parque da cidade. Ele havia consumido K2, uma forma de cannabis sintética, e rapidamente experimentou efeitos colaterais alarmantes: paranoia intensa, alucinações e batimentos cardíacos irregulares. Este incidente não é isolado; reflete uma crescente crise de saúde pública relacionada ao uso de K2/Spice, uma droga sintética que imita os efeitos do THC, o componente psicoativo da maconha.

O que é K2/Spice?

K2 e Spice, também conhecidos como Fake Weed, Incense e Black Mamba, representam diferentes nomes para uma única categoria de substâncias: os canabinóides sintéticos. Estas drogas, desenvolvidas para simular os efeitos do tetrahidrocanabinol (THC) — o principal componente psicoativo da maconha —, são reconhecidas tanto por sua acessibilidade quanto por seus potenciais perigos e propriedades viciantes, capazes de provocar consequências sérias tanto a curto quanto a longo prazo.

Criadas em laboratórios, essas substâncias químicas são pulverizadas em material vegetal seco para imitar os aspectos físicos da erva.  Seu início se deu no mercado dos EUA em 2008, vendidas como alternativas legais à maconha, frequentemente em lojas de conveniência e postos de gasolina. Em 2012, muitos dos ingredientes ativos do K2/Spice foram classificados como drogas da Lista I, na mesma categoria que a heroína.

Relatos indicam que as drogas sintéticas, como o K2, podem induzir sensações de euforia, contribuindo para sua popularidade. No entanto, elas estão intrinsecamente ligadas a uma série de riscos. Sua atratividade faz morada em seu baixo custo e alta potência. Além disso, sua capacidade de passar despercebida na maioria dos exames toxicológicos têm levado a um uso mais frequente entre indivíduos que buscam evitar resultados positivos em testes de drogas.

Com a K2, fake weed, foi criada?

A invenção dos canabinóides sintéticos remonta aos esforços de um cientista que explorava métodos para influenciar determinados receptores no organismo humano. Esses receptores canabinóides são os mesmos que reagem ao THC da maconha, provocando a sensação de “estar chapado” nos usuários. Além disso, pesquisas revelaram que esses receptores têm funções relacionadas ao sono e à percepção da dor.

Ao longo do tempo, mais de 300 compostos químicos foram desenvolvidos com o objetivo de ativar esses receptores canabinóides. Um marco significativo ocorreu no final de 2008, quando se descobriu que um desses compostos estava presente no Spice. Desde então, mais de 500 novas drogas sintéticas foram identificadas, resultado das contínuas modificações feitas por cientistas em laboratórios clandestinos para driblar as regulamentações de substâncias controladas.

Os canabinóides sintéticos não possuem um ingrediente principal definido

Geralmente, são produzidos em forma de pó, dissolvidos em solventes como acetona e, posteriormente, aplicados em material vegetal, frequentemente vindo  das fontes mais econômicas disponíveis.

Essa mistura é então vendida, muitas vezes sob o disfarce de incenso ou outros produtos legais. A falta de um ingrediente principal definido e a constante alteração nas fórmulas tornam essas drogas particularmente perigosas, devido à sua imprevisibilidade e potência.

Diferenças entre a Maconha e o K2/Spice

Ao contrário da maconha, que contém cannabis como ingrediente único, o K2/Spice é uma mistura de compostos sintéticos e aditivos, sem padrões de segurança ou pureza. Essa falta de regulamentação e a diversidade de compostos usados o tornam imprevisível e potencialmente perigoso.

A designação de K2 como “fake weed” pode induzir a uma falsa percepção de segurança, uma noção enganosa e perigosa. Enquanto a segurança da maconha tem sido objeto de debates e estudos, com movimentos crescentes para sua legalização e a aprovação de medicamentos baseados em THC, a maconha é geralmente considerada segura. Essa segurança é atribuída à sua composição singular: a cannabis.

A realidade dos ingredientes sintéticos

Contrastando com a maconha, os ingredientes sintéticos presentes no K2 ou Spice não têm qualquer semelhança com os componentes naturais da cannabis. Os compostos sintéticos, criados em laboratórios, estão longe de ser naturais e, o que é mais alarmante, não há garantias de segurança ou pureza no produto final. 

A maioria desses químicos é produzida fora dos Estados Unidos, sem qualquer regulamentação, impossibilitando determinar a verdadeira composição da maconha sintética. Com centenas de possíveis compostos, aditivos e solventes, a incerteza sobre o que se está consumindo é grande.

Pacotes de canabinoides sintéticos vendidos nas ruas de Nova York, nos EUA Fonte: Getty Imagens

Embora o K2/Spice seja frequentemente comparado à maconha devido à sua capacidade de atuar nas mesmas áreas cerebrais, as semelhanças terminam aí. A intensidade dos efeitos provocados pelo K2/Spice é notavelmente maior, e o que é mais preocupante, sua natureza é extremamente imprevisível. Esta droga sintética, ao contrário da maconha, pode desencadear reações que variam drasticamente de um indivíduo para outro.

Métodos de consumo do K2

A forma predominante de consumo do K2/Spice é através do fumo. Usuários comumente preparam cigarros artesanais com o material ou o utilizam em cachimbos. Esta prática reflete a familiaridade e a facilidade de uso associadas ao método de fumar, tornando-o a escolha mais comum entre os consumidores da droga.

Além do método tradicional de fumar, o K2/Spice também encontrou seu caminho em práticas mais contemporâneas de consumo. Uma dessas práticas inclui o uso de suco K2 vape, utilizado em cigarros eletrônicos e outros dispositivos de vaping. Esta modalidade representa uma adaptação do K2/Spice à crescente popularidade do vaping entre os jovens. 
Outra forma inovadora de consumo é a preparação de comestíveis. Alguns usuários optam por incorporar o K2/Spice em chás de ervas ou mesmo polvilhá-lo em massas de produtos assados. Esta abordagem oferece uma alternativa para aqueles que preferem evitar o fumo, mas ainda desejam experimentar os efeitos da substância.

Duração no organismo da K2

A questão de quanto tempo o K2/Spice permanece no sistema humano após o consumo é complexa e varia conforme diversos fatores. Segundo informações da Redwood Toxicology, uma dose única e baixa de K2 pode ser detectada na urina por até 72 horas. 

No entanto, é importante notar que a maioria dos testes de drogas padrão não identifica os compostos específicos encontrados no K2. Alguns dos canabinóides sintéticos presentes no K2 podem ter concentrações de 4 a 100 vezes maiores do que as encontradas na maconha, o que pode influenciar a duração de sua permanência no organismo.

A permanência do K2 no corpo é influenciada por uma série de fatores, incluindo:

  • Método de Consumo: Se o K2 é inalado ou ingerido pode afetar a rapidez com que é metabolizado e eliminado do corpo;
  • Tipo de Canabinóides Sintéticos: Existem vários tipos de  canabinóides sintéticos, e cada um pode ter um tempo diferente de permanência no sistema;
  • Quantidade Consumida: A quantidade de K2 consumida é um fator crucial na determinação de quanto tempo a substância permanecerá detectável;
  • Duração e Frequência de Uso: O uso prolongado e frequente de K2 pode resultar em uma acumulação da substância no corpo, prolongando o tempo necessário para sua completa eliminação.

Efeitos físicos e psicológicos do K2

Os efeitos do K2/Spice no corpo humano são variados e podem ser severos. Entre os mais comuns estão:

  • Sensações de relaxamento e calma, que podem parecer atraentes à primeira vista.
  • Experiências de euforia e alegria intensa, que contribuem para seu uso recreativo.
  • Uma consciência aguçada do ambiente, levando a uma percepção sensorial intensificada.

Além desses efeitos, o K2/Spice é conhecido por provocar alucinações, um sintoma que destaca sua potência e periculosidade. A imprevisibilidade dos efeitos, combinada com a possibilidade de reações adversas graves, torna o K2/Spice uma substância de alto risco para seus usuários.

Riscos do uso de K2/Spice

  • Paranoia e ansiedade
  • Batimento cardíaco acelerado
  • Pressão arterial alta
  • Náuseas e vômitos
  • Convulsões
  • Desconexão da realidade
  • Pensamentos suicidas
  • Comportamento violento
  • Consequências a longo prazo

Os efeitos a longo prazo do K2 ainda necessitam de mais estudos, mas o uso prolongado pode estar relacionado a danos cardíacos ou renais e um risco aumentado de sangramento interno. Além disso, o K2 é uma droga que altera a mente e pode ser viciante, com sintomas de abstinência que incluem suor, irritabilidade, ansiedade, depressão e dificuldades de sono.

Impacto na saúde e na sociedade

O uso dessas substâncias tem sido associado a uma série de efeitos adversos graves.  Além disso, a dificuldade em detectá-las em exames toxicológicos convencionais contribuiu para sua popularidade, especialmente entre indivíduos preocupados em evitar resultados positivos em testes de drogas.

Legalidade e acessibilidade do K2

Embora muitos dos compostos usados no K2 estejam na lista de drogas da Lista I, fabricantes alteram frequentemente os químicos usados para evitar a ilegalidade. Isso resulta em uma falta de regulamentação e controle sobre o que exatamente está sendo vendido.

Nos Estados Unidos, por exemplo, não existe reconhecimento de uso médico aceitável para essas substâncias. 

A distinção entre maconha sintética e natural é fundamental para compreender os riscos associados ao consumo de substâncias como K2 ou Spice. Enquanto a maconha natural mantém um perfil de segurança mais estabelecido, a maconha sintética representa um terreno incerto e potencialmente perigoso, destacando a importância de uma abordagem informada e cautelosa em relação ao seu uso.