Imagine que você é uma mãe, desesperada para encontrar alívio para os sofrimentos diários de sua filha. Cada dia é uma batalha, e cada noite é uma esperança de que o amanhã trará uma solução. Nesse contexto, a história da APEPI (Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal) encontra sentimentos e vivências semelhantes.

Conheça a APEPI, ONG com mais de 7 mil vidas em tratamento e maior plantio de cannabis do país

A APEPI tem sido uma das principais vozes na luta pelo acesso à cannabis medicinal no Brasil. Fundada por Margarete Brito e Marcos Langenbach, pais de Sofia, a organização nasceu da necessidade de encontrar tratamentos alternativos para a filha, que sofre de uma síndrome rara que compromete gravemente o desenvolvimento intelectual, da fala e dos movimentos.

A trajetória de Sofia e seus pais é emblemática e inspiradora. Após testemunharem uma significativa melhora na condição de Sofia com o uso de óleo de maconha, o casal decidiu se arriscar, importando o produto ilegalmente.

Na foto: O casal Margarete Brito e Marcos Langenbach, pais de Sofia e idealizadores da fazenda (Aline Massuca/.)

A drástica redução no número de crises epilépticas da filha, de três por dia para apenas duas por semana, e a melhora geral em seu quadro de saúde, motivaram outros pais a buscar a ajuda do casal. Assim, de forma orgânica e movida por amor e esperança, nasceu a APEPI, hoje a mais importante associação de pacientes do país, atendendo a 7.500 pacientes associados.

Decisão histórica no tribunal brasileiro para a Apepi

Com o coração pulsando forte, as mãos suadas, cada passo pelos corredores de um tribunal carregava a tensão e a esperança de uma decisão que poderia mudar a vida de milhares de pessoas. Era 2016, e Margarete e Marcos, fundadores da APEPI, encontravam-se no epicentro dessa batalha. Após meses de intensas batalhas judiciais, o momento tão esperado chegou: conquistaram um habeas corpus de cultivo, o primeiro do Brasil, garantindo o direito de plantar maconha para fins medicinais. A vitória, repleta de emoção, foi celebrada com lágrimas e abraços, solidificando um marco histórico na luta pelo acesso à cannabis medicinal no país.

Avance alguns anos até 2021, e visualize um apartamento de 70 metros quadrados no Rio de Janeiro. Plantas de cannabis cresciam em cada canto disponível. O que no vizinho ao lado poderia se considerar tráfico internacional, o casal cultivava e colecionavam ensinamentos valiosos de cuidado e manuseio com a planta. No entanto, a demanda crescente e a necessidade de expansão levaram a APEPI a dar um salto audacioso: migrar o cultivo para uma grande área de 37 hectares em Paty do Alferes.

A paisagem agora era de campos verdes, com 4.000 plantas de cannabis balançando ao vento, sob o sol carioca.

Na foto: Plantio legal de cannabis na fazenda da Apepi, em Paty do Alferes (RJ)

A família Apepi cresceu, né?

Mas a expansão não parou por aí. A APEPI investiu em tecnologia e inovação, inaugurando um laboratório moderno e equipado. O objetivo era claro: produzir medicamentos de alta qualidade e se tornar uma referência nacional. E assim o fez, tornando-se um guia para mais de 100 associações de pacientes de cannabis no país.

A fazenda da APEPI rapidamente ganhou reconhecimento no Brasil dedicada à cannabis e mensalmente 200 quilos de flores são cuidadosamente colhidos e transformados em 4.000 frascos de remédio de maconha, trazendo alívio e esperança para milhares de pacientes.

Desafios e conquistas da Apepi

A jornada da APEPI não foi isenta de desafios. Desde a seleção das sementes até a extração do óleo, cada etapa é rigorosamente monitorada para garantir a máxima qualidade. O laboratório da Unicamp desempenha um papel crucial, testando cada lote produzido. 

Com uma equipe multidisciplinar, composta por profissionais de diversas áreas, a APEPI trabalha diariamente para superar obstáculos e inovar. Atualmente, a associação está em uma batalha judicial, buscando solidificar seu direito de cultivar, pesquisar e distribuir medicamentos de cannabis, reafirmando seu compromisso com a causa e com os pacientes que dependem de seus produtos.

A APEPI, ao longo dos anos, expandiu não apenas suas operações, mas também sua equipe. Atualmente, a associação conta com 70 funcionários dedicados, distribuídos entre os cuidados com o cultivo, a produção, testagem e envio dos medicamentos, além do acolhimento dos pacientes. Este último é o primeiro ponto de contato quando uma pessoa busca a ONG, demonstrando a importância de um atendimento humanizado e especializado.

Panorama nacional de luta pelo cultivo

No cenário brasileiro, a questão do cultivo de maconha é delicada e repleta de nuances. A APEPI, ao lado de outras poucas instituições, como a Abrace Esperança, destaca-se na vanguarda dessa luta. A decisão iminente do STJ sobre o cultivo de cannabis tem o potencial de moldar o futuro da indústria canábica no Brasil. 

A necessidade de uma decisão judicial reflete a inércia do Legislativo em abordar o tema, apesar da crescente demanda por uma regulamentação clara e justa.

Enquanto o Brasil caminha a passos lentos na questão da cannabis, o cenário internacional é de rápido progresso. Nos EUA, a indústria da cannabis floresce, com vendas legais ultrapassando a marca dos 30 bilhões de dólares anualmente. Na Europa, países como Alemanha e Portugal já reconhecem os benefícios medicinais e econômicos da planta. Na América Latina, a Argentina e o Paraguai estão se posicionando como líderes na produção e exportação de produtos canábicos, mostrando que a região tem um potencial significativo a ser explorado.

Já em nossas terras tropicais… O cultivo de cannabis ainda é um privilégio de poucas instituições, infelizmente. Além da APEPI, associações como a Cultive, a Salvar e o CBFC (Club Brasileiro de Fitoterapia Cannábica) também conquistaram esse direito na justiça.

No âmbito acadêmico, universidades como a UFSJ, UFSC e UFRN têm autorização para cultivo com fins de pesquisa. No setor empresarial, a startup de biotecnologia Adwa é uma das poucas com autorização para cultivo. A decisão do STJ sobre o cultivo de cannabis no Brasil será um marco, e organizações como a APEPI estão na vanguarda dessa luta.

Marcos históricos na trajetória da APEPI

  • Primeiros Passos (2013): Margarete e Marcos começam a importar ilegalmente óleo de maconha para tratar Sofia, observando uma drástica redução nas crises epilépticas da filha.
  • Nascimento da APEPI (2013-2015): A melhora de Sofia atrai a atenção de outros pais, levando à fundação orgânica da APEPI.
  • Conquista Judicial (2016): O casal conquista um habeas corpus de cultivo, o primeiro do Brasil, garantindo o direito de plantar maconha para fins medicinais.
  • Expansão e Modernização (2021): A APEPI migra o cultivo para uma área de 37 hectares e inaugura um laboratório moderno.
  • Em 2022  a APEPI e a Fiocruz promoveram o seminário internacional “Cannabis medicinal: um olhar para o futuro”, realizado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. O evento buscou fomentar o debate sobre o acesso, pesquisa e regulamentação da cannabis para fins medicinais, com palestras de renomados profissionais, incluindo a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, o ambientalista Ailton Krenak e o jornalista Pedro Bial.

Foto: Divulgação Apepi

Projetos, parcerias e reconhecimentos

Ao longo de sua trajetória, a APEPI tem se destacado não apenas pela defesa incansável do acesso à cannabis medicinal, mas também por suas iniciativas inovadoras, colaborações estratégicas e reconhecimento no cenário nacional. 

  • Fazenda Sofia Langenbach: A maior fazenda de cannabis do Brasil, nomeada em homenagem à filha dos fundadores.
  • Parcerias com Instituições de Pesquisa: A APEPI colabora com universidades e laboratórios para garantir a qualidade e eficácia dos produtos.
  • Reconhecimento Nacional: A trajetória da APEPI e sua luta contínua têm sido destaque em diversos meios de comunicação, consolidando sua posição como referência no campo da cannabis medicinal.

Contribuições da APEPI

Sendo um movimento que trouxe esperança e alívio para milhares de pacientes e suas famílias, fornecendo acesso a tratamentos alternativos e promovendo a conscientização sobre a cannabis medicinal, a ONG também adquiriu fama por ser uma verdadeira ponte verde do conhecimento canábico.

  • Educação e Conscientização: Através da APEPI Escola, uma iniciativa que reflete o compromisso da APEPI em promover o acesso justo e democrático ao conhecimento sobre o uso medicinal da Cannabis a ONG conta com ativistas dedicados desenvolvendo ações educativas voltadas para oferecer suporte e informação qualificada. . A instituição oferece cursos online de cultivo e extração de canabinoides para fins medicinais, abrangendo todo o processo, desde a germinação até a colheita e produção do óleo medicinal. 

Além disso, a escola também abriu inscrições para um curso sobre Prescrição Medicinal de Cannabis, reforçando seu papel como uma fonte confiável e abrangente de educação sobre a cannabis medicinal.

  • Apoio a Pacientes: Com mais de 7.500 pacientes associados, a APEPI tornou-se a mais importante associação de pacientes do país, oferecendo tratamento e suporte.
  • Influência Política: A organização tem sido uma voz ativa na defesa de políticas públicas mais inclusivas e justas relacionadas à cannabis medicinal.

Apepi e a Anvisa

No entanto, a jornada da APEPI não tem sido sem desafios. Recentemente, a Anvisa proibiu a importação da cannabis in natura, flores e outras partes da planta, citando a falta de “evidências científicas robustas” e o potencial de desvio para fins ilícitos. Esta decisão gerou protestos de entidades e empresas favoráveis ao uso medicinal da cannabis, que compartilharam manifestos e utilizaram a hashtag #FloresceAnvisa nas redes sociais.

A APEPI, juntamente com outras entidades e empresas, manifestou profunda preocupação e descontentamento. A instituição destacou que a proibição “levanta importantes questões sobre os usos medicinais e terapêuticos” da maconha, enfatizando a necessidade de uma reflexão profunda sobre o futuro da cannabis medicinal no Brasil.