O que a ciência já sabe sobre maconha e gravidez

A maconha é a droga ilícita mais utilizada durante a gestação (Martin et al., 2015). Há mais de 40 anos, bancos de dados perinatais mostram que milhares de mulheres de culturas ocidentais, declararam ter fumado maconha em algum momento da gravidez. Estudos longitudinais, como por exemplo, OPPS (1978, Canadá); MHPCD (1987, Estados Unidos); ALSPAC (1990, Estados Unidos); Generation R (2002, Holanda); PeriBank (2011, Estados Unidos); entre outros; tem servido como base para postular que o consumo de maconha afeta negativamente o desenvolvimento do feto e/ou do neonato/a.

Muitas mães maconheiras ficam no dilema de fumar ou não fumar. Algumas mães que fumaram na gravidez apontam que a cannabis ajuda aliviar os enjôos e também a ansiedade, porém o efeito da droga na gravidez é um tabu e pouco discutido até entre as grávidas, os médicos e obstetras. 

Mas qual é exatamente o impacto do consumo na prática? Existe um efeito dependente da dose, ou da frequência? A forma de consumo e o momento da gravidez importam?

Muito se fala, pouco se sabe. Visando responder essas perguntas, criamos este texto, onde trazemos um resumo dos fundamentos teóricos e das pesquisas mais recentes e emblemáticas na área.

Se você faz parte do grupo de gestantes maconheiras fique atenta e tire suas dúvidas sobre o tema!

Como o consumo materno de maconha pode afetar o desenvolvimento do feto? 

Os canabinóides são capazes de atravessar a placenta e a barreira hemato-encefálica

Como já temos visto, os canabinóides são lipossolúveis (solúveis em gordura). Apenas um 3% do THC permanece em forma livre na corrente sanguínea, enquanto que o restante liga-se ao tecido adiposo, o que resulta no prolongamento de seus efeitos, e no acúmulo no organismo. 

Há evidências de que os fitocanabinóides (como o THC) podem tanto atravessar a placenta, como serem excretados no leite materno, com concentrações até oito vezes maiores que as observadas no plasma sanguíneo. Pela sua natureza química, o THC é capaz de atravessar a barreira hemato-encefálica (Figura 1) do/a bebê (e da mãe), e se acumular no cérebro e no tecido adiposo (inclusive até os primeiros anos de vida das crianças, se houver exposição), por um período entre 2 e 3 semanas após, até serem excretados pela urina e pelas fezes (Pascale & Laborde, 2019).  

Combinando essa dispersão imediata, com uma farmacocinética lenta, é esperável que a exposição a canabinóides exógenos (ou seja, aqueles que não são produzidos pelo próprio corpo) impacte no desenvolvimento normal do Sistema Endocanabinóide (SEC) do feto. 

Figura 1. Como é possível que os canabinóides consumidos pela mãe atinjam o Sistema Endocanabinóide de feto?| Com toda a atividade que ocorre a nível neuronal, é essencial que o microambiente químico no qual operam os neurônios seja estritamente regulado. Nesse sentido, o sistema nervoso central (SNC) encontra-se isolado imunologicamente do resto do organismo, participando muito pouco das reações imunes. A barreira hematoencefálica é uma membrana seletiva que controla a passagem de moléculas (tais como anticorpos, sistema complemento e fatores de coagulação) para o microambiente dos neurônios (Vieira & Souza, 2013). Apenas certas moléculas pequenas (como água, oxigênio, dióxido de carbono, etc.) e substâncias lipossolúveis (como o THC e outros canabinóides), podem difundir passivamente através da barreira. Outras moléculas importantes para o feto, como a glucose, devem ser transportadas por proteínas específicas, incorporadas na membrana celular. Assim o SNC protege-se de substâncias nocivas e de possíveis alterações no PH do seu microambiente celular. Está formada por células endoteliais estreitamente unidas, astrócitos, pericitos e diversas proteínas. Fonte imagem: Wikipedia.

A maconha poderia afetar a placenta e o Sistema Endocanabinóide fetal 

Segundo El Marroun et al. (2009), o consumo materno de maconha pode impactar no desenvolvimento fetal através de vários mecanismos.

Afetando o suprimento de sangue materna para a placenta 

Assim como acontece com o tabaco e outras ervas, a fumaça da cannabis implica a inalação de monóxido de carbono (CO), além de amônia, nitrosaminas, fenóis, naftalenos e substâncias cancerígenas, como benzopirenos e benzantraceno. 

O CO é um gás produzido durante a combustão (incompleta) de matéria orgânica, que possui grande afinidade pela hemoglobina (Hb). A Hb é uma metal-proteína presente no interior das hemácias (glóbulos vermelhos ou eritrócitos), que transporta oxigênio, O2 (sentido órgãos respiratórios → tecidos) e, em menor quantidade, dióxido de carbono, CO2 (sentido tecidos → pulmões), além de contribuir para regulagem do PH sanguíneo. Para realizar essa importante função, cada molécula de Hb conta quatro subunidades proteicas (cadeias de globinas), onde cada uma tem um átomo de ferro, Fe, (conhecido como grupo heme, o responsável pela coloração vermelha do sangue), capaz de se ligar a uma molécula dos gases mencionados anteriormente (O2 e CO2). 

Como a afinidade (ou seja, a capacidade de interagir) da Hb pelo CO é muito superior à do O2  (umas 200 vezes a mais!), o CO ocupa antes os sítios de união na Hb (grupos heme), impedindo o O2 seja carregado pelo sistema circulatório para oxigenar os tecidos. Dessa forma, quando fumada pela gestante, a cannabis desencadeia a formação do complexo carboxihemoglobina (COHb), tanto no sangue da mãe, quanto no do feto (a Hb do feto tem ainda mais afinidade pelo CO que a Hb materna). 

Pelas pesquisas com tabaco, sabemos que níveis baixos de O2 e altos de CO, além de provocar hipóxia tecidual (falta de oxigenação nos tecidos), provocam hiperviscosidade no sangue da gestante (Leopércio & Gilliotti, 2004), e diminuem o suprimento de sangue materna, comprometendo o correto funcionamento da placenta (Figura 2). 

Segundo Pascale & Laborde (2019), a fumaça da cannabis tem demonstrado provocar níveis séricos (relativos ao soro sanguíneo) até cinco vezes mais altos de CO em comparação com o tabaco (devido à costume de prensar a fumaça e não utilizar filtros)

Figura 2. O monóxido de carbono e o sistema vascular | O monóxido de carbono (CO) tem alta afinidade pela hemoglobina (Hb) e, consequentemente, aumenta os níveis de carboxihemoglobina (COHb) nas artérias umbilicais, o que inibe o fornecimento de oxigênio às células do feto. O CO pode-se difundir lentamente pela placenta e causa dano no sistema vascular materno-fetal, provocada pela diminuição na pressão parcial de oxigênio no sangue. A exposição à fumaça do tabaco no útero tem sido associada a mudanças na metilação do DNA de genes associados à restrição de crescimento fetal (Araya & Monge, 2019; Pinto & Botelho, 2000). Fonte imagens superior: Google; e inferior: El Periodico.

Afetando o Sistema Endocanabinóide (SEC) do feto

A presença de receptores canabinóides na placenta e no cérebro já nas primeiras fases da vida do feto, evidencia o importante controle que o Sistema Endocanabinóide (SEC) exerce sobre o sistema nervoso em desenvolvimento.

Como já vimos, quando uma gestante consome maconha, o THC atravessa a barreira hemato-encefálica e chega ao cérebro do feto, onde tem uma alta afinidade pelo receptor CB1 (um dos receptores do SEC). Uma vez lá, o THC compete pelo sítio ativo do receptor com outros endocanabinóides (produzidos naturalmente no cérebro do feto), que tem semelhança estrutural (como a anandamida, o análogo endógeno do THC).

A alteração do SEC do feto pode ter diversas implicações sobre:

  1. Crescimento fetal: é sabido que alguns endocanabinóides se ligam aos receptores canabinóides nas células pancreáticas e regulam a concentração intracelular de cálcio, diminuindo consequentemente a secreção de insulina, dependente de glicose. Os principais fatores de crescimento fetal são regulados pela própria insulina.  Portanto, é possível que fetos expostos à cannabis, tenham níveis mais baixos de insulina, o que poderia levar a um crescimento inadequado (El Marroun et al., 2009). Outros autores, sugerem que, consumir canabinóides exógenos durante a gravidez está correlacionado negativamente com o índice de resistência da artéria uterina e o índice de pulsatilidade fetal, o que poderia explicar parcialmente uma restrição para o crescimento fetal (Warner et al., 2014).
  2. Expressão de genes chave envolvidos na regulagem da estrita sequência de passos que do desenvolvimento do sistema nervoso do feto (Porath-Waller et al, 2015)
  3. Atenuação das vias de sinalização nervosa por sobre-ativação do SEC (causada pelo consumo de fitocanabinóides, como o THC), alterando rotas de neurotransmissão, que poderiam repercutir nos circuitos cerebrais vinculados à motivação, recompensa; resposta ao stress; cognição; memória; função motriz; entre outros.

Quais resultados perinatais adversos avaliam as pesquisas?

maconha e gravidez
Fonte: Insider.com

Nesta matéria, vamos nos concentrar em pesquisas que discutem se existe uma relação entre o consumo de maconha durante a gravidez e a ocorrência de resultados perinatais adversos. Como seu nome indica, esses resultados estão vinculados apenas ao período imediatamente anterior e posterior ao nascimento do/a bebê. 

São eles:

  • Redução do tempo gestacional / Nascimento prematuro
  • Redução do crescimento fetal 
  • Baixo peso ao nascer
  • Diminuição do perímetro cefálico 
  • Comprimento 
  • Necessidade de ingresso à UTI do/a recém nascido/a
  • Óbito fetal ou óbito do/a recém nascido/a

Em uma próxima matéria, vamos discutir como a exposição intrauterina à maconha poderia afetar o sistema nervoso do/a bebê, da criança e do/a jovem.

Da teoria à prática: O que apontam as pesquisas sobre os efeitos da exposição intrauterina à maconha?

Embora a maconha seja a substância ilícita mais utilizada pelas grávidas no mundo todo, há uma notável falta de conhecimento científico sobre suas conseqüências no desenvolvimento do feto, devido a questões éticas, práticas e interpretativas, subjacentes à experimentação de drogas em humanos  (Fried, 1995). 

Grande parte do conhecimento é construído a partir de um acúmulo de revisões sistemáticas e meta-análises. Nesse tipo de trabalhos, em vez do dado vir de intervenções experimentais em laboratórios, com um amplo controle das variáveis de estudo (como acontecia, por exemplo, na pesquisa que analisamos em O uso do THC na redução de danos do MDMA); o dado é gerado como resultado da análise de relatos, que são processados com diferentes abordagens estatísticas e critérios de inclusão ou exclusão.  As pesquisas utilizadas para escrever esta matéria, são conhecidas como estudos de coorte, nas quais limita-se a observar e analisar se existe uma relação entre um fator de risco (consumo de cannabis) e a presença de um ou mais resultados perinatais adversos, sem demonstrar as causas dessa possível correlação. 

Na Tabela 1, resumimos os resultados das pesquisas mais recentes na área:

Tabela 1. Resumo dos resultados de algumas das pesquisas que discutem possíveis efeitos da exposição intrauterina à cannabis 

Pesquisa Tipo de estudo e fonte de dados Cannabis independente de outras drogas? Resultados / Conclusões
Grezkowiak et al., 2020 Coorte; prospectivo.

Dados: SCOPE Screening for Pregnancy Endpoints, Austrália, Nova Zelandia, Irlanda e Reino Unido.

Sim. O consumo de cannabis foi avaliado de forma independe do consumo de tabaco, álcool e outras drogas (não especificadas). 

Foi estimada a frequência (até 1, ou mais de 1 vez por semana), e a duração do consumo (autorreferido) de cannabis, 3 mesês antes e até às 15 semanas de gestação.

Não foi possível avaliar quantidade e forma de consumo de cannabis.

Uso de cannabis continuado na gravidez: As gestantes que continuaram usando cannabis às 15 semanas de gravidez, tiveram valores médios menores para: peso ao nascer, comprimento do/a bebê, perímetro da circunferência cefálica e idade gestacional; assim como taxas mais altas de óbito neonatal. A diferença de peso ao nascer observada foi semelhante à dos/as bebês de mães que fumavam até nove cigarros por dia.

Uso de cannabis apenas na gravidez precoce: Mulheres que interromperam o uso de cannabis antes da gravidez, ou que interromperam seu consumo antes das 15 semanas, não tiveram resultados neonatais adversos significativamente diferentes daqueles observados em bebês de mulheres que nunca usaram cannabis.

Co-uso: As mulheres que consumiram cannabis durante a gravidez (tanto aquelas que interromperam o consumo antes das 15 semanas, como aquelas que continuaram c às 15 semanas), apresentaram maior prevalência de co-uso de outras substâncias, como tabaco, álcool e outras drogas.

Fatores socioeconômicos, demográficos e psicológicos: A idade média e o status socioeconômico das gestantes usuárias, foi menor quando comparadas com as não usuárias. As grávidas que consumiram cannabis também apresentaram valores mais altos de ansiedade e/ou depressão.

Corsi et al., 2019

Coorte; retrospectivo.

Dados: BORN Ontario, Canadá.

Não. Consumo de tabaco como fator de confusão. Também não foi avaliada a frequência e duração de consumo de cannabis. ► A exposição intrauterina à cannabis foi significativamente associada a maior frequência de nascimentos de bebês pequenos/as para a idade gestacional, partos prematuros e necessidade de ingresso na UTI.
Conner et al., 2016.

Revisão sistemática(31 estudos entre 1982-2015).

Dados: 6 bancos de dados ocidentais.

Sim. Dados ajustados para co-uso de tabaco (por estimativas e estratificação), além de fatores socioeconômicos e demográficos.

Viés nas pesquisas devido ao co-uso de tabaco e maconha: Embora várias das pesquisas analisadas mostraram que as mulheres que usam maconha durante a gravidez foram mais propensas a dar à luz bebês com menor peso médio ao nascer, menores escores de Apgar e/ou maior ocorrência de óbito fetal, esses resultados foram considerados limitados em sua capacidade analítica, por não ter sido ajustados para co-uso de tabaco. Quando esses dados foram ajustados, não foi observada uma relação entre o uso exclusivo de cannabis e uma redução do tempo de gestação, descolamento da placenta, necessidade de admissão na UTI ou aborto espontâneo.

Co-uso dependente da dose: As grávidas que aumentaram a frequência de consumo de cannabis durante a gravidez, parecem ter mais riscos de apresentar resultados perinatais adversos. Porém aquelas que consumiram mais, também consumiram outras drogas, que poderiam ser responsáveis por esses resultados.

Gunn, J. K. et al., 2016.

Meta-análise de 24 estudos: coorte, transversais e estudos-de-casos

Dados: 7 bancos de dados ocidentais.

Não. Consumo de tabaco como fator de confusão. Porém outras grávidas que consumiram drogas ilícitas, como cocaína e barbitúricos, foram excluídas da pesquisa.

► Bebês expostos à maconha (e tabaco) durante a gestação tiveram uma diminuição no peso ao nascer e mais chances de precisar passar um período na UTI após o nascimento.

► Grávidas usuárias teriam mais probabilidade de desenvolver anemia.

Chabarria et al., 2016.

Coorte; retrospectivo

Dados: PeriBank Perinatal Database and Biospecimen Repository, Estados Unidos.

Sim. Compararam grávidas usuárias de cannabis vs. não-fumantes, bem como usuárias de cannabis e tabaco.

► Após o controle de possíveis variáveis ​​de confusão (como tabaco e álcool), o uso somente de cannabis não foi associado a resultados adversos estatisticamente relevantes.

► O uso combinado (cannabis e tabaco), aumentou significativamente a ocorrencia de múltiplos resultados perinatais adversos.

El Marroun et al., 2009.

Coorte; prospectivo.

Dados: Generation R, Holanda.

Não. Compararam grávidas que costumam usar maconha em combinação com tabaco, com um grupo de mulheres grávidas que usavam apenas tabaco.

► Exposição à cannabis é um fator de risco para o crescimento fetal e para o tamanho da circunferência cefálica do/a bebê (independentes de outros fatores de risco, como estilo de vida e nível socioeconômico).

► No meio da gravidez, os déficits de crescimento fetal parecem dever-se apenas ao uso de tabaco.

Limitações metodológicas das pesquisas

1° –  O que é maconha e o que é tabaco? O problema do co-uso

Em um dos maiores estudos longitudinais da área, conhecida como Generation R (Holanda), que acompanha mais de 800 crianças desde 2002, El Marroun et al. (2009) relataram que 85% das mães que fumaram cannabis, também fumavam cigarro durante a gravidez (seguindo a costume da Europa Ocidental, onde é comum  misturar cannabis com tabaco).

Nesse sentido, a partir de uma base de dados perinatais dos Estados Unidos (PeriBank), um estudo de coorte retrospectivo com 12065 grávidas, revelou que o co-uso de marijuana e cigarro pode ser pior que uso das substâncias por separado (Cigarra et al, 2016). Por exemplo, quando olhamos para os efeitos na própria gravidez, nem em mães fumantes de maconha, nem em fumantes de cigarro, foi observado um aumento da taxa de  hipertensão materna. No entanto, as co-usuárias de ambas substâncias tiveram taxas elevadas de pré-eclâmpsia, em comparação com as não usuárias. Na mesma pesquisa, as grávidas co-usuárias de marijuana e cigarro se correlacionaram fortemente com resultados adversos perinatais (como asma materno, parto prematuro, baixo peso ao nascer e menor diâmetro cefálico do/a recém nascido/a); enquanto que esses efeitos não foram observados com relevância significativa no grupo das grávidas exclusivamente usuárias  de marijuana (*Considerando os mesmos intervalos de massa corporal).

2° – Falta de objetividade nos métodos para avaliar o consumo materno 

A maioria das pesquisas analisam bases de dados construídas a partir de relatos autorreferidos. Além desses relatos serem suscetíveis à autopercepção da gestante em relação ao seu próprio consumo (com que frequência fuma, quanta quantidade, etc.), os relatos também podem estar influenciados pelo estigma social e o medo da intervenção dos serviços de proteção infantil. 

Há uma falta de estudos com biomarcadores, que detectem objetivamente a presença de THC em urina ou saliva, e que não dependam da subjetividade dos relatos pessoais  (Corsi et al., 2019).

Conclusões

Os efeitos do uso de cannabis durante a gravidez tentam ser compreendidos há quase 30 anos. Embora haja sólidos argumentos teóricos para acreditar que o consumo materno afeta negativamente o desenvolvimento pré-natal e neonatal, a maioria das pesquisas que verificaram esses resultados apresentam importantes limitações metodológicas. 

Em primeiro lugar, a maioria não avalia o impacto da cannabis de forma independente de outras substâncias, como cigarros e álcool, bem como de outros fatores de risco sociodemográficos  (Ryan et al., 2018). 

Outra limitação relevante é poder avaliar o consumo de forma objetiva, por exemplo, a partir de biomarcadores. Grande parte das pesquisas se baseiam em relatos autorreferidos, sujeitos à capacidade da gestante de declarar que consome maconha, a qual é uma droga ilícita na maioria dos países onde se desenvolveram esses estudos (El Marroun et al., 2009; Connor et al., 2016). 

As pesquisas mais recentes que conseguiram analisar os efeitos da cannabis de forma independente (Tabela 1), apontam que, na gravidez precoce (até as 15 semanas), o consumo provavelmente não causaria efeitos adversos para crescimento fetal. Após este período, o consumo de cannabis parece se converter em um fator de risco para múltiplos resultados perinatais adversos (Grezkowiak et al., 2020).

Após revisar uma série de estudos com resultados conflitantes, concluímos que não há evidência científica suficiente para estabelecer se o consumo de maconha durante a gravidez é seguro para o desenvolvimento feto. A variabilidade na dose e frequência de uso são aspectos que precisam ser definidos com maior precisão para entender se existe uma relação dose-efeito, que possa explicar que estudos semelhantes apresentam resultados diferentes. Entretanto, estimamos que quanto mais intenso o consumo, maiores parecem ser os riscos para o feto e o/a o/a recém-nascido/a.

As dúvidas sobre maconha e gravidez se estendem para o período de amamentação, por isso as mães maconheiras também devem ficar atentas nesse período e sempre que surgir alguma dúvida, conversar com os médicos de confiança.

Fontes

Araya, T.C. & Mongu, M.P.D. Efectos fetales y posnatales del tabaquismo durante el embarazo.  

Chabarria, K. C., Racusin, D. A., Antony, K. M., Kahr, M., Suter, M. A., Mastrobattista, J. M., & Aagaard, K. M. (2016). Marijuana use and its effects in pregnancy. American Journal of Obstetrics and Gynecology, 215(4), 506.e1-506.e7. 

Conner SN, Bedell V, Lipsey K, Macones GA, Cahill AG, Tuuli MG. (2016). Maternal marijuana use and adverse neonatal outcomes: a systematic review and meta-analysis. Obstet Gynecol; 128(4):713–723.

Corsi, D. J., Walsh, L., Weiss, D., Hsu, H., El-Chaar, D., Hawken, S., Fell, D. B., & Walker, M. (2019). Association between Self-reported Prenatal Cannabis Use and Maternal, Perinatal, and Neonatal Outcomes. JAMA – Journal of the American Medical Association, 322(2).

El Marroun, H., Tiemeier, H., Steegers, E. A. P., Jaddoe, V. W. V., Hofman, A., Verhulst, F. C., van den Brink, W., & Huizink, A. C. (2009). Intrauterine Cannabis Exposure Affects Fetal Growth Trajectories: The Generation R Study. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 48(12), 1173–1181. 

Fried, P. A. (1995). The Ottawa Prenatal Prospective Study (OPPS): methodological issues and findings–it’s easy to throw the baby out with the bath water. Life Sci. 1995;56(23–24), 2159–2168

Grzeskowiak, L.K; Griege, J.A; Andraweera, P.; Knight, E.J; Leemaqz, S; Poston, L.; McCowan, l.; Kenny, L.;  Myers, J.; Walker, J.J;  Dekker, G.A; Roberts, C.T. (2020). The deleterious effects of cannabis during pregnancy on neonatal outcomes. Medical Journal of Australia, 212(11), 519-524.

Gunn, J.K.L; Rosales; C.B; Center, K.E; Nuñez, A; Gibson S.J; Christ, C; Ehiri, J.E. (2016). Prenatal exposure to cannabis and maternal and child health outcomes: a systematic review and meta-analysis. BMJ Open. 1–8. 

Leopércio, W. & Gigliotti, A. (2004). Tabagismo e suas peculiaridades durante a gestação: uma revisão crítica. Jornal Brasileiro de Pneumologia, 30(2), 176-185.

Martin, C.E, Longinaker N., Mark K., Chisolm M.S., Terplan M. (2015). Recent trends in treatment admission for marijuana use during pregnancy. J Addict Med 2015;9:99–104

Pascale, A., & Laborde, A. (2019). Efectos del consumo de cannabis durante el embarazo y la lactancia. Archivos de Pediatría del Uruguay 2019; 90(3); 161–168. 

Pinto, G.R. & Botelho, C. Influência do Tabagismo no Sistema Vascular Materno-fetal: estudo com Dopplervelocimetria. (2000). Rev. Bras. Ginecol. Obstet, vol(22), no.10.

Porath-Waller, A. J., Kent, P., & Konefal, S. (2015). Clearing the Smoke on Cannabis: Maternal Cannabis Use during Pregnancy – An Update. CCSA – Canadian Center on Substance Abuse, 14.

Ryan, S. A., Ammerman, S. D., O’Connor, M. E., Patrick, S. W., Plumb, J., Quigley, J., & Walker-Harding, L. R. (2018). Marijuana use during pregnancy and breastfeeding: Implications for neonatal and childhood outcomes. Pediatrics, 142(3). 

Vieira, D.D.V & Souza, C.M. (2013). Aspectos celulares e fisiológicos da Barreira Hematoencefálica. Journal of Health & Biological Sciences

Warner T., Roussos D. & Behnke M. (2014). It is not your mother´s marijuana: effects on maternal-fetal health and the develo- ping child. Clin Perinatol; 41(4):877-94.